Ao contrário de da maioria dos meus colegas e amigos da escola, eu nunca
tive um Gameboy ou outra consola de
jogos. A minha mãe era contra e os meus jogos eram o Mikado, o Lotto e o Tangram.
Agora que penso nisso, acho que fica
explicada a minha quase-obsessão pela simetria e perfeição, o meu gosto por
trabalhos manuais que exigem alguma perícia e paciência, e porque é que jogo no
euromilhões (quase) todas as semanas.
Mais tarde tive um Trivial (edição
familiar), que ainda tenho e jogo com amigos a altas horas já depois de uns
copos, mas que se tornou ainda mais difícil porque agora envolve grandes
capacidades mnésicas e contas. Para a pergunta “Quem apresenta o programa tal?”
temos de nos lembrar que programa passou há 20 anos na televisão.
Nenhum dos meus colegas tinha esse tipo de
jogos, todos tinham consolas e “Quem é Quem?” ou o “Monopólio”, e como eu os
invejava. Ainda hoje procuro o “Quem é Quem?” dos anos 90.
Tinha Barbies. Não tantas como as minhas
colegas, nem as últimas a sair para o mercado, mas conseguia ter algumas. Por
vezes a minha mãe tentava oferecer-me um vestido ou outro acessório, mas se não
fosse original, da marca, eu não queria. Como é que a minha não percebia a
diferença entre o oficial e a imitação? Era algo que me transcendia… Agora sei,
a diferença era entre o que fazia mais ou menos diferença na carteira da minha
mãe. Também não tinha a cama ou a cozinha da Barbie, mas improvisava com coisas
de outros bonecos e, assim, construía as casas para as minhas histórias, que
envolviam sempre amor, sexo, traição e homicídio.
Ainda na primária, com nove anos, comecei a
desconfiar que precisava de óculos. Sentava-me no fundo da sala e custava-me
diferenciar certas letras e números que a professora escrevia no quadro. Com as
letras conseguia contornar o problema pelo contexto, mas as minhas contas saíam
quase sempre erradas porque confundia muitas vezes os 1, 4 e 9, consoante a
caligrafia da professora. Para além da escola, os meus avós paternos estavam
sempre a dar-me raspanetes por me sentar quase colada à televisão. Da primeira
vez que falei com a minha mãe, ela não acreditou em mim. Achou que, como nem
ela nem o meu pai usavam óculos, e como alguns colegas da turma começavam a
usar, devia ser eu que queria usar óculos. Mas quem, no seu perfeito juízo,
quer usar óculos? Apenas ponderou que talvez eu estivesse mesmo a falar a sério
quando, numa noite fomos à ópera e eu passei todo o tempo a pedir que me lesse
as legendas.
Quando acabei o ensino primário a minha mãe
decidiu que eu podia seguir para a escola pública. Assim, saí de um colégio
privado de uma zona fina da capital para uma escola pública no meio de bairros
sociais. Ainda me lembro de ter ido com os meus pais ver a escola durante o
verão e termos avistado uma ratazana a passear-se pelo recreio. Odiei essa
escola. Deve ter sido um choque demasiado grande. Quase como quando, no pingo
do inverno, se está numa sala com o aquecedor no máximo e se sai para a rua. Pelo menos, os miúdos não eram tão cruéis como na escola privada, mas não
gostei mesmo nada do ambiente.
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