Desde os meus três anos que os meus pais estão
separados. Nunca se casaram, pelo menos não um com o outro. Depois dos seus
primeiros (e únicos) casamentos, devem ter percebido que aquele tipo de compromisso
não era algo que lhes interessasse novamente. Do primeiro casamento do meu pai
tinha duas irmãs e de outra relação um irmão (eu sou a mais nova dos quatro).
Da minha mãe sou filha única. O facto de ser a mais nova de um lado e a única
de outro poderia ser uma mistura explosiva, com grandes probabilidades de ter
saído uma fedelha mimada, com a mania de ser rebelde, incapaz de partilhar e
protegida em demasia pelos "papás". Estranhamente, tirando a fase
normal de rebeldia adolescente, nunca fui mais problemática do que
qualquer típico adolescente.
Na escola primária não era a criança mais popular. Não gostava dos meus
colegas e eles não gostavam de mim. Perfeito! Mesmo assim tinha três amigas com
quem me dava bem. A escola era privada, numa zona elitista da capital. O ensino
era muito bom, muito moderno, seguindo as linhas da escola francesa.
O meu problema não era o ensino, eram os colegas. Nunca me consegui
identificar com aquele pretensiosismo de "elite". Eu era a
única criança da turma cujos pais não estavam casados e isso criava-me uma
imensidade de problemas que decorriam do meu quotidiano familiar diferente do
dos outros. Era alvo da crueldade dos meus colegas para quem eu era uma
mentirosa porque dizia que tinha um cão mas ninguém tinha visto o meu cão
(estava com o meu pai), dizia que tinha irmãos mas ninguém os via, dizia que
era pobre e para eles isso era impossível. Bem, pobre não era, mas a minha mãe
fazia um esforço enorme para que eu pudesse frequentar um ensino melhor e
justificava a impossibilidade de certas compras (brinquedos...) dizendo-me que
éramos "pobrezinhas", coisa que eu repetia inocentemente na escola.
A minha mãe fez um esforço imenso para me dar uma boa educação e não era
fácil ser apenas ela no dia-a-dia. Na altura eu não compreendia e, se de
algumas coisas eu nem me apercebia, outras havia que eu não percebia e me
causavam tristeza e inveja dos meus colegas. A verdade é que, com a idade, vim
a perceber e agora acho que só fez de mim uma pessoa melhor.
De vez em quando a minha mãe dizia que fazia o meu
jantar ou almoço preferido: o "piquenique". Adorava! Sempre fui um
pisco a comer e no piquenique só comíamos o que eu mais gostava: sandes, ovos
quentes e "restos". Para mim era óptimo, não ter de comer nervuras da
carne ou, pior ainda, peixe! A minha avó paterna achava este um péssimo hábito,
mas, na realidade, o piquenique era uma forma que a minha mãe tinha de fazer o
dinheiro esticar e tentar aguentar até ao final do mês.
Só tivemos televisão quando fiz oito anos e não me
lembro de, até essa data, a televisão me ter feito falta. Tinha livros, adorava
ler e era a ler que a minha mãe me fazia comer. Negociava um parágrafo por uma
garfada. Mais um hábito que não era permitido em casa dos meus avós. Podíamos ver
televisão, mas ler à mesa nem pensar! Quando fiz oito anos o meu tio ligou à
minha mãe e disse que me ia oferecer uma televisão pelos anos. Ela assentiu,
mas só a condição de ser também oferecido um vídeo. Não queria que eu começasse
a recusar fazer coisas só por causa da televisão. A verdade é que, com a
chegada da televisão, a ida para as aulas no British Council aos sábados de
manhã tornaram-se numa tortura porque me impediam de ver os desenhos animados.
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