Antes de mais, um desabafo: Adorava deixar de escrever a bold! Mas sou uma naba nesta coisa do html e não consigo alterar a formatação. Queria manter a fonte, o tamanho, etc... Mas que o texto deixasse de estar a bold.
Quando vou ver o código html, não há nenhum <b> ou </b>, portanto não faço ideia! Se alguém me conseguir ajudar ficarei eternamente agradecida.
Como já toda a gente que me lê percebeu, o meu parto não foi fácil. Aliás, dizer que não foi fácil é quase um eufemismo. Foi difícil, traumático, etc. Até há uns dias não conseguia falar nisso sem ficar com os olhos cheios de lágrimas e com o queixo a tremer.
Atribuo parte do que se passou ao facto de me terem feito o toque com descolamento de membranas sem me dizerem. Esta prática é indutora do parto e era algo que eu dizia especificamente, no meu Plano de Parto, que NÃO queria. Pelo menos não até a gravidez estar nas 41 ou 42 semanas. Verdade seja dita: o meu plano de parto não foi aprovado pela direcção da Maternidade. No entanto, tinha-o guardado no meu boletim de grávida.
Acontece que o primeiro toque com descolamento foi feito às 39 semanas. Não fui avisada de que me estavam a fazer o descolamento de membranas. A médica apenas se referiu a uma "maldade" para verificar a abertura e tamanho do colo do útero. Portanto, se não quiserem indução já sabem: quando vos falarem em fazer uma "maldade" digam que não querem!
Eu até me considero uma pessoa informada, mas só reparei no que era tarde demais. Sempre fui de confiar nos médicos e de lhes tentar facilitar a vida: é o que dá ser filha de médico e sobrinha de enfermeiros. Conhecer ambos os pontos de vista e ter bastante à vontade nestas andanças.
O segundo toque com descolamento de membranas foi feito na segunda-feira da quadragésima semana. Já tinham feito uma vez e das vezes seguintes permiti que o fizessem porque, confesso, não me apercebi que era uma forma de indução e porque confiei.
No dia 23 de Maio, como escrevi aqui, "combinei com amigos para ir ver o "Alien", podia ser que ela se sentisse inspirada e decidisse sair por iniciativa própria". Quando voltámos para casa, fui para a cama e acordei cerca de 2h30/3h, pelas 02h30 com contracções.
Tentei continuar a dormir, mas eram contracções de 10 em 10 minutos. Não eram muito fortes, mas eram com uma frequência que nem me deixava adormecer novamente. Ao princípio tentei desvalorizar, achava que seriam mais Braxton Hicks, porque sempre achei que quando começasse com contracções seriam de 30 em 30 minutos ou de 20 em 20. Nunca esperei que fossem logo de 10 em 10.
Levantei-me, agarrei no telemóvel e fui para a sala. Tinha de monitorizar as contracções para perceber se era um falso alarme ou se já era mesmo o início do trabalho de parto. Apesar de não serem dolorosas eram incómodas e sentia um desconforto enorme na zona dos rins. Meti-me aos saltinhos na bola de exercícios, escrevia no blog, tentava entreter-me. As contracções continuavam estáveis de 10 em 10 minutos e eu sem saber o que fazer, porque não tinha grandes dores, mas nas aulas de preparação sempre disseram para irmos para o hospital quando as contracções fossem de 10 em 10 minutos. Decidi que acordaria o Duarte se passassem a uma frequência de 7 em 7 minutos, se começassem a doer mais ou a umas horas mais decentes para o acordar. Passadas quatro horas de contracções de 10 em 10 minutos, achei que devia ir às urgências, e lá o fui acordar, "temos de ir para a maternidade, acho que é agora".
- Já experimentaste a bola?
- Andei nisso toda a noite.
- Queres tomar um banho quente?
- Já tomei, mas se calhar tomo outro.
Tomei mais um banho quente (não que fizesse grande coisa, mas um banho de imersão sabe sempre bem), tomámos o pequeno-almoço tranquilamente, atrasamos um bocadinho a ida para as urgências, mas lá fomos.
A partir daqui, o timing e ordem das coisas está um pouco mais difuso na minha memória. Algumas coisas poderão não ser exactamente na ordem ou como agora me recordo. O que vale é que tenho as minhas conversas com amigos para dar uma ordem à coisa.
Uma coisa que devem saber sobre mim é que, pelo menos antes de ter a Miminho, se eu não dormisse as minhas 8 horinhas de sono já tinha o dia estragado. Rabugice, cansaço, falta de paciência, irritabilidade, etc, etc, etc. De dia 23 para dia 24 de Maio, não tinha dormido mais do que 3 horas quando acordei com as contracções e, a partir daí, não dormi mais até ela nascer. O que aconteceu às 11h00 de dia 25 de Maio.
Fomos para as urgências da MAC, onde me foi dito que, apesar das contracções de 10 em 10 minutos, não tinha quase dilatação. Mais um toque, mais um descolamento de membranas, e um "vá andar durante duas horas e volte para uma reavaliação. Regresse antes se as contracções passarem a ser muito fortes, de 5 em 5 minutos, se perder sangue ou se a bebé deixar de se mexer".
Acordada desde as 02h30 e ainda tinha de ir andar durante duas horas? Se tem de ser, tem de ser.
Com um marido coxo e com dores no pé, lá fomos andar pelo nosso bairro durante duas horas. Ainda esperámos que a Zara da Guerra Junqueira abrisse porque eu tinha metido na cabeça que queria comprar saco-cama de linho lindíssimo que lá tinha visto. Sabem o mais engraçado? Eu na fila, gravidíssima, e nem a funcionária, nem a mulher que estava à minha frente me deram prioridade. E ambas olharam para mim. Ainda pensei em reclamar, mas como até precisava de estar em pé, só fiz um olhar reprovador e acabei a falar mal com a funcionária. Não é o meu estilo, mas enfim... Estava em trabalho de parto com contracções de 10 em 10 minutos há um porradão de horas e não me deram a prioridade que me é devida por lei, acho que mereço um desconto.
Por volta das 11h30 voltámos às urgências. Não tinha diferença nenhuma na dilatação. Continuava tudo na mesma. Já estava naquilo há 09h30 e estava com, praticamente, uma directa em cima. Estava cansadíssima e a coisa não evoluía. Já estava com vontade de chorar.
Mandaram-me novamente para casa: "Em princípio de hoje não passa, mas volte quando estiverem de 5 em 5 minutos ou insuportáveis".
Voltámos para casa. Tentei descansar, tomar outro banho quente. O desespero era o cansaço pela falta de sono. Sempre que adormecia acordava com uma contracção, parecia uma tortura de privação de sono.
Por volta das 19h30, com 15 horas de contracções de 10 em 10 minutos, ficaram super intensas. E fomos, pela terceira vez no mesmo dia, para as urgências.
Mal a enfermeira me ligou ao CTG tive uma contracção, sempre que entrava na sala tinha uma contracção: "Ena! Teve mais uma grande!" e eu a pensar "f****-se! Mas grandes eu sei que são, não preciso do CTG para me dizer isso...". Por esta altura já tinham passado 17 horas e eu já estava a ver a minha vida a andar para trás. Tinha decidido "Quero drogas!!! Quero tudo aquilo a que tenho direito". As minhas costas estavam tão lixadas que doíam só de lhes tocar.
Eram umas 22h quando fui vista pelas médicas. Continuava com pouca dilatação. Mais um toque, mais um descolamento, mais um "vá andar durante duas horas e volte para uma reavaliação. Regresse antes se as contracções passarem a ser muito fortes, de 5 em 5 minutos, se perder sangue ou se a bebé deixar de se mexer". "5 em 5 minutos durante quanto tempo?", perguntei eu. "Se tiver contracções de 5 em 5 minutos durante meia hora, volte.".
Parecia que estava a adivinhar. Disse ao Duarte que não valia a pena saírmos da zona da maternidade e mal saímos das urgências, tenho uma contracção horrível. Olho para o telemóvel, onde registava as contracções numa app, e tinham passado 5 minutos desde a última contracção. "Ok. Isto tem de se manter assim durante meia hora e eles admitem-me, finalmente". Foi a meia hora mais dolorosa da minha vida. Pensava eu.
A andar pelas ruas à volta da maternidade, de 5 em 5 minutos, encostava-me a uma parede cheia de dores. Durante meia hora, andei pela rua a chorar, a desesperar, a contar "já só faltam 5 contracções para voltar", "já só faltam 4", "pffff... faltam 3", "f***-se!! Só mais 2", "Vá lá, só mais 1!! Vamos voltar para as urgências!". Detesto que me vejam a chorar ou a sofrer, mas estava-me a borrifar. Além do mais, quem me visse percebia perfeitamente o que estava a acontecer: uma grávida, ao lado da MAC, a chorar agarrada às paredes e a dizer para o marido "A culpa é tua! Tu é que querias filhos, mais do que eu! Porque é que eu fui na tua conversa??". Nunca pensei ser um cliché ambulante, mas lá estava eu a responsabilizar a 100% quem me acompanhava.
De volta às urgências, fui sentar-me agarrando-me à cadeira da frente, enquanto o Duarte foi à recepção. Diz-me ele "deram-te alta".
- O quê????!!!!
Não me lembro se me levantei ou se gritei do meu lugar
- Não me deram nada alta! Eu estou aqui para ser reavaliada. Não me deram alta! E se me deram, abram novamente o processo!
A recepcionista lá foi ver o que se passava.
Eram umas 23h00, 18h00 de contracções, 4h00 de dores terríveis nas costas em que nem queria que o Duarte mas massajasse, estava eu na sala de espera das urgências da MAC cheia de medo de ser observada e que me voltassem a dizer para ir andar, porque eu mal conseguia mexer as pernas, quando... de repente...
Senti um "pop", comecei a escorrer líquido e pensei "agora não há hipótese, têm de me admitir. Daqui já não saio". Avisei a recepcionista:
- Olhe, rebentaram-me as águas!
- Ok. Não se preocupe.
E nada...
Eu continuava a escorrer, a cadeira cada vez mais molhada e nada.
- Olhe, pelo menos, chamarem alguém para limpar isto, não?
Eu sei... eu sei... Para quem lá trabalha isto é mais do mesmo. É algo que acontece "n" vezes por dia, fui só mais uma a sujar mais uma cadeira e não é algo que os leve a vir-me buscar no segundo seguinte. Mas eu não estava bem em mim e era a minha primeira gravidez, pelo que estranhei aquele comportamento.
Lá me chamaram. Só a mim. Por enquanto o acompanhante ainda não entrava. Vou para a triagem, começam a falar comigo ou a fazer-me perguntas das quais já não me lembro, com a excepção de uma:
- Vai querer epidural?
- Sim!!!!
Levam-me para outra sala, para que vestisse a bata, e acompanham-me até à sala de partos. A anestesista já vinha para me dar a epidural. Eu não gostava muito da ideia de me espetarem fosse o que fosse na coluna, mas não aguentava muito mais, só queria ficar sem dores. Só queria descansar um bocadinho. Nesta altura as contracções eram com menor frequência, cerca de 3 em 3 minutos.
A anestesista chega, pede-me que me sente em cima da cama, com as pernas cruzadas à chinês e enrolando as costas. Lá me espeta o que tem a espetar, o que foi desconfortável.
- Como sente as pernas? - perguntou.
- Pesadas. - respondi, achando que fosse uma sensação normal.
- Pesadas?! - reagiu.
"hmmm..." pensei eu "resposta errada..."
- Sim, e estão dormentes.
- dormentes?!
- Sim.
- E está dormente onde?
- Olhe, estou a começar a sentir dormência até à barriga.
- Consegue deitar-se?
Tentei descruzar as pernas.
- Não consigo mexer as pernas.
E o meu corpo começa a cair para o lado.
- Senhora Enfermeira, agarre-a!
Deitaram-me na maca e aqui eu estava um bocado noutra dimensão.
- Sente isto?
Olhei e estavam a espetar-me qualquer coisa na perna.
- Não.
"Pronto! Estou paralítica." pensei "Não me vou preocupar com isso agora. Depois logo se vê."
Elas lá iam fazendo as suas coisas e eu, estava a ficar com tanto sono que decidi dormir uma sesta e aproveitar para descansar enquanto a médica e a enfermeira resolviam o que tinham de resolver. Eu só queria dormir.
- Fique connosco!! Não adormeça!!
Abri os olhos, havia mais gente à minha volta, metiam-me uma máscara de oxigénio. Parecia tirado de um filme. Normalmente, dizem estas coisas quando o personagem está prestes a morrer.
"Então é assim que acaba? Tenho tanto sono...".
- Não adormeça!
Lembrei-me da minha bebé e decidi fazer o esforço, por ela.
Aos poucos, comecei a recuperar as sensações no corpo. Por algum motivo, a anestesista deu-me água a beber. Engasguei-me. Tinha perdido a capacidade de engolir. Se, por um lado, estava a recuperar, por outro não conseguia engolir e durante uns bons minutos assim fiquei.
Sabem quando nos sentamos muito tempo sobre uma perna e, quando a tiramos de debaixo de nós, durante uns segundos não se sente nada e depois começamos a sentir uma dormência? Foi assim que senti o meu corpo todo. Não sentia nada e, depois, estava a sentir dormência da cabeça aos pés.
Com a dormência, veio uma comichão imensa na cara.
Foi mais ou menos nesta altura que o Duarte entrou na sala de partos.
- Tenho tanta comichão. - e coçava os olhos, o nariz, a boca.
- Menina, não se coce. Isso é só impressão, faz parte. Tente não se coçar.
Substituíram-me a máscara de oxigénio pelos tubinhos que se enfiam no nariz. Lembro-me de pensar que sempre tivera curiosidade em experimentar aquilo tudo. A máscara é desconfortável, mas os tubinhos são porreiros. Respira-se tão bem! Às vezes tirava-os para me coçar, mas assim que os voltava a encaixar, sentia o ar tão puro, tão leve, tão fresco. Era óptimo.
Enquanto esteve a trabalhar, a anestesista foi com muita frequência ver se eu estava bem.
Com a epidural a funcionar era tudo muito mais suportável. Apesar da dilatação teimar em ser extraordinariamente lenta, com a analgesia já tinha forças. Sentia tudo, só não sentia dor.
Durante a noite lembro-me de ter trovejado. Lembro-me de ter vomitado duas ou três vezes. Lembro-me que quando voltava a sentir dormência era sinal de que ia voltar a ter dores e tocava na campainha para avisar. Lembro-me da Enfermeira Amélia. Não a senti muito ternurenta, mas pareceu-me uma mulher rija, confiante no que fazia e que me transmitia segurança. Lembro-me que precisei de fazer xixi, mas como não conseguia ir à casa de banho, trouxeram-me uma arrastadeira. Acabei por ser algaliada, o que não custa nada.
De manhã, entram, no meu quarto, não sei quantas pessoas. Assumi que seriam internos ou estagiários. Uma médica vai ver em que estado está a dilatação, a posição do bebé, e mais não sei o quê que eles fazem.
A médica falava e a voz era-me familiar. Durante este tempo todo eu, que sou bastante pitosga (5 dioptrias) estive sem óculos. Ela falava com os colegas e eu reconhecia-lhe a voz.
- Vanessa???
- Menina???
Tinha sido minha colega no secundário e agora, 15 anos depois, tinha a mão dentro de mim.
- Então, tudo bem? - Perguntei - Nunca pensei que nos voltássemos a encontrar nesta posição.
Risada geral naquele quarto.
Tenho a sensação de que ela ficou bem mais desconfortável do que eu. Parece-me normal. No processo de gravidez e parto perdemos a conta a quantas pessoas nos viram e tocaram na vagina, o nosso pudor vai pela janela.
Foi uma situação estranha, mas como já nada me surpreende, encarei a coisa com humor e como mais uma história engraçada.
Passado não sei quanto tempo, volto a sentir a dormência. Vinha aí a dor! Toquei logo na campainha para avisar que precisava de mais um reforço.
Alguém voltou, não me deram reforço. Pensei que o anestesista viria a caminho (nesta altura, a primeira anestesista já não estava e já lá tinham ido dois diferentes). A enfermeira dizia-me para fazer força e eu fazia toda a que tinha. Estava com "9/10 centímetros de dilatação", ouvi dizer. Já estava mesmo no fim. Estava quase a acabar. Era agora.
Volta a dor. Desta vez, as dores que sentia nas costas eram absolutamente insuportáveis. Tentava fazer força quando sentia uma contração, mas as dores eram tantas que perdia as forças a meio da contracção.
- Tenho muitas dores, preciso de um reforço.
Ninguém respondia ao meu pedido. Só me diziam para fazer força. E eu tentava. E sentia que ela estava a "meio do caminho", mas eu perdia as forças por causa da dor e a coisa ficava parada.
- Faça força! Mais força!
- Eu não consigo! Eu preciso de um reforço. As dores tiram-me a força, não consigo fazer mais do que isto. Por favor.
Nada de reforço. Dores horríveis. Percebi que não mo iam dar.
Estava lá uma médica loira que me diz, mais uma vez, para fazer força.
- Eu estou cheia de dores, fo... fogo!!!
Ia-me saindo uma asneira, um "foda-se".
Mas não saiu. Percebi que o meu superego é demasiado presente em algumas situações. Com dores lancinantes e fora de mim, fui incapaz de mandar um "foda-se" a uma médica.
Disse ao Duarte
- Caguei! Vou gritar.
- Faz o que for preciso.
E deitava tudo cá para fora quando fazia força ao sentir uma contracção.
Mas cada vez que gritava, pensava nas outras parturientes que estariam à volta e como os meus gritos as podiam assustar. Raios me partam! No meio daquilo, não só era incapaz de dizer uma asneira, como estava preocupada com as outras? A minha mãe educou-me demasiado bem.
Comecei a ficar um bocado fora de mim. Estava lixada da vida, aos gritos, cheia de dores, a fazer toda a força que conseguia, mas que percebia não ser suficiente. A senti-la a caminho, mas a não avançar. Ficava preocupada com ela.
Oiço alguém dizer que me iam levar "lá para cima".
- Consegue andar? - alguém perguntou.
- Estão loucos???? - gritei.
Nesta altura mandaram o Duarte embora, mas eu já estava noutra dimensão por causa das dores, por causa do meu estado psicológico, e nem dei por nada.
Entre dores horríveis tive de mudar de maca duas vezes. Uma para sair do quarto e para ir para o elevador e outra ao sair do elevador. Lembro-me que me custou horrores.
Quando dou por mim estou no bloco operatório.
Reparei naquelas luzes que aparecem sempre nos filmes e parecia que estava numa nave espacial. Tudo branco, os médicos e enfermeiros com as toucas e com as máscaras, só se lhes via os olhos.
Eu continuava a implorar pelo reforço.
- Já vai. Não se preocupe, tenha calma. Está quase. - alguém me respondeu.
E, de repente, um anestesista por quem quase me apaixonei. Só lhe via os olhos, eram tranquilizadores. Enquanto eu chorava de dores, fazia-me festinhas na cara. Suaves, mas com alguma pressão. A pressão certa. Uma voz apaziguadora que me dizia:
- Menina... Menina... tenha calma. Já estamos a administrar, daqui a uns segundos já não vai sentir dor. Tenha calma, menina.
O próprio anestesista era uma analgesia. Conseguiu tranquilizar-me. A voz e as festinhas eram como um abraço. Gostava mesmo de saber quem é para lhe poder agradecer. Nunca me irei esquecer do seu toque, do seu olhar, da sua voz. Nunca me esquecerei de como, no momento mais doloroso da minha vida, me conseguiu acalmar.
De repente, as dores passaram! Sem as dores recuperei a energia. Já estava pronta para mais um bocado.
- Faça força!
Fiz força uma ou duas vezes e, às 10h56 do dia 25 de Maio, uma Quinta-Feira da Espiga, nasceu a Miminho. Não chorou, mas vi que mexia os pés e as mãos e não me preocupei. Meteram-na a chorar. Chorou durante dois segundos, foi o suficiente. Pousaram-na no meu colo.
Estava roxa e tinha uns olhos enormes, que me fitavam. Levaram-na para a observar e eu pedi "breast crawl". Pousaram-na novamente no meu peito, mas de repente:
- Deixe-me só ver uma coisa!
E levaram-na novamente. Estava a ficar fria. O bloco é um local muito frio.
Senti um alívio enorme quando ela nasceu, mas o alívio total foi quando saiu a placenta. Aí sim, estava tudo cá fora. Avisaram-me que iam fazer uma coisa chata e que podia doer. Carregaram-me na barriga para que saísse tudo. Não me doeu. Foi desconfortável, mas nada de insuportável.
Depois, comecei a tremer e a contrair-me. Não sabia porquê. A médica explicou-me que era normal, porque o bloco é mesmo muito frio, mas que precisava que eu tentasse manter-me imóvel para que me suturasse. Tinham-me feito uma episiotomia e agora tinha de levar pontos por fora e por dentro.
Enquanto tratavam da minha filha, aproveitei para falar com a médica.
- Porque é que eu vim para o bloco? Foi alguma coisa que fiz?
- Não foi nada que tenha feito. Ela estava virada para cima, com a cabeça a bater no osso, acabaria por vir sempre para aqui. Tivemos de a tirar com fórceps.
Na sala ao lado ouvia a equipa a celebrar os "feitos" da minha filha recém-nascida.
- Olhe, não sei o que ela está a fazer, mas os meus colegas estão divertidíssimos com a sua bebé.
Percebi que lhe estavam a fazer o APGAR (começou por ter 9 e depois 10 pontos), ouvi alguém a rir-se e a dizer que ela tinha feito xixi.
Depois, a coisa acalmou. Perguntei pela minha filha.
- Está ali. Não a consegue ver através da porta?
- Doutora, eu sou cega e estou sem óculos. Não consigo ver nada.
Quando terminaram todos os procedimentos, juntaram-me à minha bebé.
Estava na altura de ir para o recobro. Como ela tinha nascido de manhã, assim que fosse para a enfermaria poderia receber visitas.
Durante todo este tempo, desde que tinha saído da sala de partos, o Duarte ficou quase 2 horas sem saber de mim. Quando, finalmente, encontrou uma médica que tinha estado no nosso quarto foi-lhe dito que "mãe e filha estão bem". Foi assim que ficou a saber que já era pai. Quando saíssemos do recobro ele poderia ver-nos.
O que não sabíamos é que haveria uma falha informática e, durante um período de tempo, ninguém saberia responder à pergunta do Duarte "Onde estão a minha mulher e a minha filha?".
No dia 23 de Maio, como escrevi aqui, "combinei com amigos para ir ver o "Alien", podia ser que ela se sentisse inspirada e decidisse sair por iniciativa própria". Quando voltámos para casa, fui para a cama e acordei cerca de 2h30/3h, pelas 02h30 com contracções.
Tentei continuar a dormir, mas eram contracções de 10 em 10 minutos. Não eram muito fortes, mas eram com uma frequência que nem me deixava adormecer novamente. Ao princípio tentei desvalorizar, achava que seriam mais Braxton Hicks, porque sempre achei que quando começasse com contracções seriam de 30 em 30 minutos ou de 20 em 20. Nunca esperei que fossem logo de 10 em 10.
Levantei-me, agarrei no telemóvel e fui para a sala. Tinha de monitorizar as contracções para perceber se era um falso alarme ou se já era mesmo o início do trabalho de parto. Apesar de não serem dolorosas eram incómodas e sentia um desconforto enorme na zona dos rins. Meti-me aos saltinhos na bola de exercícios, escrevia no blog, tentava entreter-me. As contracções continuavam estáveis de 10 em 10 minutos e eu sem saber o que fazer, porque não tinha grandes dores, mas nas aulas de preparação sempre disseram para irmos para o hospital quando as contracções fossem de 10 em 10 minutos. Decidi que acordaria o Duarte se passassem a uma frequência de 7 em 7 minutos, se começassem a doer mais ou a umas horas mais decentes para o acordar. Passadas quatro horas de contracções de 10 em 10 minutos, achei que devia ir às urgências, e lá o fui acordar, "temos de ir para a maternidade, acho que é agora".
- Já experimentaste a bola?
- Andei nisso toda a noite.
- Queres tomar um banho quente?
- Já tomei, mas se calhar tomo outro.
Tomei mais um banho quente (não que fizesse grande coisa, mas um banho de imersão sabe sempre bem), tomámos o pequeno-almoço tranquilamente, atrasamos um bocadinho a ida para as urgências, mas lá fomos.
A partir daqui, o timing e ordem das coisas está um pouco mais difuso na minha memória. Algumas coisas poderão não ser exactamente na ordem ou como agora me recordo. O que vale é que tenho as minhas conversas com amigos para dar uma ordem à coisa.
Uma coisa que devem saber sobre mim é que, pelo menos antes de ter a Miminho, se eu não dormisse as minhas 8 horinhas de sono já tinha o dia estragado. Rabugice, cansaço, falta de paciência, irritabilidade, etc, etc, etc. De dia 23 para dia 24 de Maio, não tinha dormido mais do que 3 horas quando acordei com as contracções e, a partir daí, não dormi mais até ela nascer. O que aconteceu às 11h00 de dia 25 de Maio.
Fomos para as urgências da MAC, onde me foi dito que, apesar das contracções de 10 em 10 minutos, não tinha quase dilatação. Mais um toque, mais um descolamento de membranas, e um "vá andar durante duas horas e volte para uma reavaliação. Regresse antes se as contracções passarem a ser muito fortes, de 5 em 5 minutos, se perder sangue ou se a bebé deixar de se mexer".
Acordada desde as 02h30 e ainda tinha de ir andar durante duas horas? Se tem de ser, tem de ser.
Com um marido coxo e com dores no pé, lá fomos andar pelo nosso bairro durante duas horas. Ainda esperámos que a Zara da Guerra Junqueira abrisse porque eu tinha metido na cabeça que queria comprar saco-cama de linho lindíssimo que lá tinha visto. Sabem o mais engraçado? Eu na fila, gravidíssima, e nem a funcionária, nem a mulher que estava à minha frente me deram prioridade. E ambas olharam para mim. Ainda pensei em reclamar, mas como até precisava de estar em pé, só fiz um olhar reprovador e acabei a falar mal com a funcionária. Não é o meu estilo, mas enfim... Estava em trabalho de parto com contracções de 10 em 10 minutos há um porradão de horas e não me deram a prioridade que me é devida por lei, acho que mereço um desconto.
Por volta das 11h30 voltámos às urgências. Não tinha diferença nenhuma na dilatação. Continuava tudo na mesma. Já estava naquilo há 09h30 e estava com, praticamente, uma directa em cima. Estava cansadíssima e a coisa não evoluía. Já estava com vontade de chorar.
Mandaram-me novamente para casa: "Em princípio de hoje não passa, mas volte quando estiverem de 5 em 5 minutos ou insuportáveis".
Voltámos para casa. Tentei descansar, tomar outro banho quente. O desespero era o cansaço pela falta de sono. Sempre que adormecia acordava com uma contracção, parecia uma tortura de privação de sono.
Por volta das 19h30, com 15 horas de contracções de 10 em 10 minutos, ficaram super intensas. E fomos, pela terceira vez no mesmo dia, para as urgências.
Mal a enfermeira me ligou ao CTG tive uma contracção, sempre que entrava na sala tinha uma contracção: "Ena! Teve mais uma grande!" e eu a pensar "f****-se! Mas grandes eu sei que são, não preciso do CTG para me dizer isso...". Por esta altura já tinham passado 17 horas e eu já estava a ver a minha vida a andar para trás. Tinha decidido "Quero drogas!!! Quero tudo aquilo a que tenho direito". As minhas costas estavam tão lixadas que doíam só de lhes tocar.
Eram umas 22h quando fui vista pelas médicas. Continuava com pouca dilatação. Mais um toque, mais um descolamento, mais um "vá andar durante duas horas e volte para uma reavaliação. Regresse antes se as contracções passarem a ser muito fortes, de 5 em 5 minutos, se perder sangue ou se a bebé deixar de se mexer". "5 em 5 minutos durante quanto tempo?", perguntei eu. "Se tiver contracções de 5 em 5 minutos durante meia hora, volte.".
Parecia que estava a adivinhar. Disse ao Duarte que não valia a pena saírmos da zona da maternidade e mal saímos das urgências, tenho uma contracção horrível. Olho para o telemóvel, onde registava as contracções numa app, e tinham passado 5 minutos desde a última contracção. "Ok. Isto tem de se manter assim durante meia hora e eles admitem-me, finalmente". Foi a meia hora mais dolorosa da minha vida. Pensava eu.
A andar pelas ruas à volta da maternidade, de 5 em 5 minutos, encostava-me a uma parede cheia de dores. Durante meia hora, andei pela rua a chorar, a desesperar, a contar "já só faltam 5 contracções para voltar", "já só faltam 4", "pffff... faltam 3", "f***-se!! Só mais 2", "Vá lá, só mais 1!! Vamos voltar para as urgências!". Detesto que me vejam a chorar ou a sofrer, mas estava-me a borrifar. Além do mais, quem me visse percebia perfeitamente o que estava a acontecer: uma grávida, ao lado da MAC, a chorar agarrada às paredes e a dizer para o marido "A culpa é tua! Tu é que querias filhos, mais do que eu! Porque é que eu fui na tua conversa??". Nunca pensei ser um cliché ambulante, mas lá estava eu a responsabilizar a 100% quem me acompanhava.
De volta às urgências, fui sentar-me agarrando-me à cadeira da frente, enquanto o Duarte foi à recepção. Diz-me ele "deram-te alta".
- O quê????!!!!
Não me lembro se me levantei ou se gritei do meu lugar
- Não me deram nada alta! Eu estou aqui para ser reavaliada. Não me deram alta! E se me deram, abram novamente o processo!
A recepcionista lá foi ver o que se passava.
Eram umas 23h00, 18h00 de contracções, 4h00 de dores terríveis nas costas em que nem queria que o Duarte mas massajasse, estava eu na sala de espera das urgências da MAC cheia de medo de ser observada e que me voltassem a dizer para ir andar, porque eu mal conseguia mexer as pernas, quando... de repente...
Senti um "pop", comecei a escorrer líquido e pensei "agora não há hipótese, têm de me admitir. Daqui já não saio". Avisei a recepcionista:
- Olhe, rebentaram-me as águas!
- Ok. Não se preocupe.
E nada...
Eu continuava a escorrer, a cadeira cada vez mais molhada e nada.
- Olhe, pelo menos, chamarem alguém para limpar isto, não?
Eu sei... eu sei... Para quem lá trabalha isto é mais do mesmo. É algo que acontece "n" vezes por dia, fui só mais uma a sujar mais uma cadeira e não é algo que os leve a vir-me buscar no segundo seguinte. Mas eu não estava bem em mim e era a minha primeira gravidez, pelo que estranhei aquele comportamento.
Lá me chamaram. Só a mim. Por enquanto o acompanhante ainda não entrava. Vou para a triagem, começam a falar comigo ou a fazer-me perguntas das quais já não me lembro, com a excepção de uma:
- Vai querer epidural?
- Sim!!!!
Levam-me para outra sala, para que vestisse a bata, e acompanham-me até à sala de partos. A anestesista já vinha para me dar a epidural. Eu não gostava muito da ideia de me espetarem fosse o que fosse na coluna, mas não aguentava muito mais, só queria ficar sem dores. Só queria descansar um bocadinho. Nesta altura as contracções eram com menor frequência, cerca de 3 em 3 minutos.
A anestesista chega, pede-me que me sente em cima da cama, com as pernas cruzadas à chinês e enrolando as costas. Lá me espeta o que tem a espetar, o que foi desconfortável.
- Como sente as pernas? - perguntou.
- Pesadas. - respondi, achando que fosse uma sensação normal.
- Pesadas?! - reagiu.
"hmmm..." pensei eu "resposta errada..."
- Sim, e estão dormentes.
- dormentes?!
- Sim.
- E está dormente onde?
- Olhe, estou a começar a sentir dormência até à barriga.
- Consegue deitar-se?
Tentei descruzar as pernas.
- Não consigo mexer as pernas.
E o meu corpo começa a cair para o lado.
- Senhora Enfermeira, agarre-a!
Deitaram-me na maca e aqui eu estava um bocado noutra dimensão.
- Sente isto?
Olhei e estavam a espetar-me qualquer coisa na perna.
- Não.
"Pronto! Estou paralítica." pensei "Não me vou preocupar com isso agora. Depois logo se vê."
Elas lá iam fazendo as suas coisas e eu, estava a ficar com tanto sono que decidi dormir uma sesta e aproveitar para descansar enquanto a médica e a enfermeira resolviam o que tinham de resolver. Eu só queria dormir.
- Fique connosco!! Não adormeça!!
Abri os olhos, havia mais gente à minha volta, metiam-me uma máscara de oxigénio. Parecia tirado de um filme. Normalmente, dizem estas coisas quando o personagem está prestes a morrer.
"Então é assim que acaba? Tenho tanto sono...".
- Não adormeça!
Lembrei-me da minha bebé e decidi fazer o esforço, por ela.
Aos poucos, comecei a recuperar as sensações no corpo. Por algum motivo, a anestesista deu-me água a beber. Engasguei-me. Tinha perdido a capacidade de engolir. Se, por um lado, estava a recuperar, por outro não conseguia engolir e durante uns bons minutos assim fiquei.
Sabem quando nos sentamos muito tempo sobre uma perna e, quando a tiramos de debaixo de nós, durante uns segundos não se sente nada e depois começamos a sentir uma dormência? Foi assim que senti o meu corpo todo. Não sentia nada e, depois, estava a sentir dormência da cabeça aos pés.
Com a dormência, veio uma comichão imensa na cara.
Foi mais ou menos nesta altura que o Duarte entrou na sala de partos.
- Tenho tanta comichão. - e coçava os olhos, o nariz, a boca.
- Menina, não se coce. Isso é só impressão, faz parte. Tente não se coçar.
Substituíram-me a máscara de oxigénio pelos tubinhos que se enfiam no nariz. Lembro-me de pensar que sempre tivera curiosidade em experimentar aquilo tudo. A máscara é desconfortável, mas os tubinhos são porreiros. Respira-se tão bem! Às vezes tirava-os para me coçar, mas assim que os voltava a encaixar, sentia o ar tão puro, tão leve, tão fresco. Era óptimo.
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Enquanto esteve a trabalhar, a anestesista foi com muita frequência ver se eu estava bem.
Com a epidural a funcionar era tudo muito mais suportável. Apesar da dilatação teimar em ser extraordinariamente lenta, com a analgesia já tinha forças. Sentia tudo, só não sentia dor.
Durante a noite lembro-me de ter trovejado. Lembro-me de ter vomitado duas ou três vezes. Lembro-me que quando voltava a sentir dormência era sinal de que ia voltar a ter dores e tocava na campainha para avisar. Lembro-me da Enfermeira Amélia. Não a senti muito ternurenta, mas pareceu-me uma mulher rija, confiante no que fazia e que me transmitia segurança. Lembro-me que precisei de fazer xixi, mas como não conseguia ir à casa de banho, trouxeram-me uma arrastadeira. Acabei por ser algaliada, o que não custa nada.
De manhã, entram, no meu quarto, não sei quantas pessoas. Assumi que seriam internos ou estagiários. Uma médica vai ver em que estado está a dilatação, a posição do bebé, e mais não sei o quê que eles fazem.
A médica falava e a voz era-me familiar. Durante este tempo todo eu, que sou bastante pitosga (5 dioptrias) estive sem óculos. Ela falava com os colegas e eu reconhecia-lhe a voz.
- Vanessa???
- Menina???
Tinha sido minha colega no secundário e agora, 15 anos depois, tinha a mão dentro de mim.
- Então, tudo bem? - Perguntei - Nunca pensei que nos voltássemos a encontrar nesta posição.
Risada geral naquele quarto.
Tenho a sensação de que ela ficou bem mais desconfortável do que eu. Parece-me normal. No processo de gravidez e parto perdemos a conta a quantas pessoas nos viram e tocaram na vagina, o nosso pudor vai pela janela.
Foi uma situação estranha, mas como já nada me surpreende, encarei a coisa com humor e como mais uma história engraçada.
Passado não sei quanto tempo, volto a sentir a dormência. Vinha aí a dor! Toquei logo na campainha para avisar que precisava de mais um reforço.
Alguém voltou, não me deram reforço. Pensei que o anestesista viria a caminho (nesta altura, a primeira anestesista já não estava e já lá tinham ido dois diferentes). A enfermeira dizia-me para fazer força e eu fazia toda a que tinha. Estava com "9/10 centímetros de dilatação", ouvi dizer. Já estava mesmo no fim. Estava quase a acabar. Era agora.
Volta a dor. Desta vez, as dores que sentia nas costas eram absolutamente insuportáveis. Tentava fazer força quando sentia uma contração, mas as dores eram tantas que perdia as forças a meio da contracção.
- Tenho muitas dores, preciso de um reforço.
Ninguém respondia ao meu pedido. Só me diziam para fazer força. E eu tentava. E sentia que ela estava a "meio do caminho", mas eu perdia as forças por causa da dor e a coisa ficava parada.
- Faça força! Mais força!
- Eu não consigo! Eu preciso de um reforço. As dores tiram-me a força, não consigo fazer mais do que isto. Por favor.
Nada de reforço. Dores horríveis. Percebi que não mo iam dar.
Estava lá uma médica loira que me diz, mais uma vez, para fazer força.
- Eu estou cheia de dores, fo... fogo!!!
Ia-me saindo uma asneira, um "foda-se".
Mas não saiu. Percebi que o meu superego é demasiado presente em algumas situações. Com dores lancinantes e fora de mim, fui incapaz de mandar um "foda-se" a uma médica.
Disse ao Duarte
- Caguei! Vou gritar.
- Faz o que for preciso.
E deitava tudo cá para fora quando fazia força ao sentir uma contracção.
Mas cada vez que gritava, pensava nas outras parturientes que estariam à volta e como os meus gritos as podiam assustar. Raios me partam! No meio daquilo, não só era incapaz de dizer uma asneira, como estava preocupada com as outras? A minha mãe educou-me demasiado bem.
Comecei a ficar um bocado fora de mim. Estava lixada da vida, aos gritos, cheia de dores, a fazer toda a força que conseguia, mas que percebia não ser suficiente. A senti-la a caminho, mas a não avançar. Ficava preocupada com ela.
Oiço alguém dizer que me iam levar "lá para cima".
- Consegue andar? - alguém perguntou.
- Estão loucos???? - gritei.
Nesta altura mandaram o Duarte embora, mas eu já estava noutra dimensão por causa das dores, por causa do meu estado psicológico, e nem dei por nada.
Entre dores horríveis tive de mudar de maca duas vezes. Uma para sair do quarto e para ir para o elevador e outra ao sair do elevador. Lembro-me que me custou horrores.
Quando dou por mim estou no bloco operatório.
Reparei naquelas luzes que aparecem sempre nos filmes e parecia que estava numa nave espacial. Tudo branco, os médicos e enfermeiros com as toucas e com as máscaras, só se lhes via os olhos.
Eu continuava a implorar pelo reforço.
- Já vai. Não se preocupe, tenha calma. Está quase. - alguém me respondeu.
E, de repente, um anestesista por quem quase me apaixonei. Só lhe via os olhos, eram tranquilizadores. Enquanto eu chorava de dores, fazia-me festinhas na cara. Suaves, mas com alguma pressão. A pressão certa. Uma voz apaziguadora que me dizia:
- Menina... Menina... tenha calma. Já estamos a administrar, daqui a uns segundos já não vai sentir dor. Tenha calma, menina.
O próprio anestesista era uma analgesia. Conseguiu tranquilizar-me. A voz e as festinhas eram como um abraço. Gostava mesmo de saber quem é para lhe poder agradecer. Nunca me irei esquecer do seu toque, do seu olhar, da sua voz. Nunca me esquecerei de como, no momento mais doloroso da minha vida, me conseguiu acalmar.
De repente, as dores passaram! Sem as dores recuperei a energia. Já estava pronta para mais um bocado.
- Faça força!
Fiz força uma ou duas vezes e, às 10h56 do dia 25 de Maio, uma Quinta-Feira da Espiga, nasceu a Miminho. Não chorou, mas vi que mexia os pés e as mãos e não me preocupei. Meteram-na a chorar. Chorou durante dois segundos, foi o suficiente. Pousaram-na no meu colo.
Estava roxa e tinha uns olhos enormes, que me fitavam. Levaram-na para a observar e eu pedi "breast crawl". Pousaram-na novamente no meu peito, mas de repente:
- Deixe-me só ver uma coisa!
E levaram-na novamente. Estava a ficar fria. O bloco é um local muito frio.
Senti um alívio enorme quando ela nasceu, mas o alívio total foi quando saiu a placenta. Aí sim, estava tudo cá fora. Avisaram-me que iam fazer uma coisa chata e que podia doer. Carregaram-me na barriga para que saísse tudo. Não me doeu. Foi desconfortável, mas nada de insuportável.
Depois, comecei a tremer e a contrair-me. Não sabia porquê. A médica explicou-me que era normal, porque o bloco é mesmo muito frio, mas que precisava que eu tentasse manter-me imóvel para que me suturasse. Tinham-me feito uma episiotomia e agora tinha de levar pontos por fora e por dentro.
Enquanto tratavam da minha filha, aproveitei para falar com a médica.
- Porque é que eu vim para o bloco? Foi alguma coisa que fiz?
- Não foi nada que tenha feito. Ela estava virada para cima, com a cabeça a bater no osso, acabaria por vir sempre para aqui. Tivemos de a tirar com fórceps.
Na sala ao lado ouvia a equipa a celebrar os "feitos" da minha filha recém-nascida.
- Olhe, não sei o que ela está a fazer, mas os meus colegas estão divertidíssimos com a sua bebé.
Percebi que lhe estavam a fazer o APGAR (começou por ter 9 e depois 10 pontos), ouvi alguém a rir-se e a dizer que ela tinha feito xixi.
Depois, a coisa acalmou. Perguntei pela minha filha.
- Está ali. Não a consegue ver através da porta?
- Doutora, eu sou cega e estou sem óculos. Não consigo ver nada.
Quando terminaram todos os procedimentos, juntaram-me à minha bebé.
Estava na altura de ir para o recobro. Como ela tinha nascido de manhã, assim que fosse para a enfermaria poderia receber visitas.
Durante todo este tempo, desde que tinha saído da sala de partos, o Duarte ficou quase 2 horas sem saber de mim. Quando, finalmente, encontrou uma médica que tinha estado no nosso quarto foi-lhe dito que "mãe e filha estão bem". Foi assim que ficou a saber que já era pai. Quando saíssemos do recobro ele poderia ver-nos.
O que não sabíamos é que haveria uma falha informática e, durante um período de tempo, ninguém saberia responder à pergunta do Duarte "Onde estão a minha mulher e a minha filha?".
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