Oiço o telefone de casa tocar. Imagino a mão morena da minha mãe a levantar o auscultador.
Como adorava as mãos da minha mãe quando era miúda. O cheiro e a frescura das suas mãos, como me acalmavam. O cheiro era uma mistura de creme e tabaco. SG ventil, se a memória não me falha, que tantas vezes lhe fui comprar e, da ultima vez, custava 140$00 (0,70€). Era um cheiro bom, um cheiro quente e confortante que tão bem contrastava com a temperatura fria. Se não estivessem frias não as queria. Se estivessem, então entrelaçava a minha mão na da minha mãe e ela nesse momento sabia: estava na hora de me deitar.
Nunca mais dei a mão a ninguém. Mesmo que tenha agarrado em mais mãos. As minhas, nunca mais as dei.
Está escuro. Que horas são? Levanto-me e caminho cuidadosa e discretamente, sem fazer barulho. Descalça, como sempre, que não consigo estar calçada dentro de casa.
A minha mãe está a chorar. Porque choras, mãe? Travo a minha memória! Não continues...
Vejo a minha mãe chorar e vou-me aproximando devagar. Pára, já disse!
"Mãe?... O que foi?" Um nó na garganta. Os olhos, arregalados, fixam-se num ponto aleatório.
- Não... Não... Não... Não.
Os dentes estão de tal modo cerrados que faz doer os maxilares.
- Não continues. Pára!
Lágrimas a acumulam-se, prontas para rolar. Os dedos pressionam os lábios, um contra o outro.
- Por favor, por favor, por favor... Não podes voltar lá. Não te lembres. Não revivas. Não vais começar com isto outra vez, pois não? Todos os anos é isto. Todos os anos te deixas afundar. Todos os anos deixas a depressão voltar. Todos os anos.
- São 20 este ano.
- Pára!
- Teria 43 se...
- Não continues! Não faças isto. Por favor, pára... Eu não me quero lembrar. Eu não sei se tenho forças para lembrar.
- Mas se não te lembrares, o que é que tens?
- Nada.
- Se não sentires a tua dor, o que é que sentes?
- Não sei.
- Se não desabafas contigo, com quem desabafas?
- Ninguém.
Escrito a 15.12.2014
Sem comentários:
Enviar um comentário