quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Das relações.

   Não tive poucos, nem tive muitos. Tive os que quis, quando quis, como quis e durante o tempo que quis. E isso é que importa. Considerando que foram 15 anos de relações, poderiam ter sido muitos mais, considerando a minha forma de estar na vida, foram os que foram.

   8. Sendo que 4 tinham o mesmo nome (5 em 9, se contar com a minha primeira paixão, que durou 3 anos).
   Aliás, um amigo meu costumava gozar e dizer que se mudasse de nome tinha hipótese de que eu quisesse alguma coisa com ele. Hoje em dia, quando conheço alguém com esse nome, fico logo de pé atrás. Mas acho que a "maldição" já passou.
   O que é incrível, é que aconteceu sentir atracção antes até de saber o nome. Durante uns tempos achei que tinha de me render à ideia de que o universo queria que eu ficasse o resto da minha vida com alguém que se chamava... hmmm... Filipe. Logicamente que "Filipe", não é o verdadeiro nome. Mas dá alguma dignidade à coisa, se ao falar dele parecer que estou a falar de Reis: Filipe I, Filipe II, Filipe III, Filipe IV.
   Falarei de cada um dos 8 (ou 9, ou 7... ainda não sei. Falarei dos que me apetecer, quando me apetecer). Uns com mais destaque do que outros. E com os nomes alterados, obviamente. Porque nenhum homem quer que se saiba que chorou baba e ranho quando a relação acabou, que foi um traidor, que foi corno, que foi uma má foda, que tinha "mummy issues".

   Como qualquer mulher, já me chamaram "puta" por ter ido para a cama com alguém e já me chamaram o mesmo por ter mandado alguém passear. Nem sei por qual dos motivos fui mais "puta".   Agora que penso nisso, seria curioso ter contado. Porque tenho a sensação de que fui mais insultada por gajos rejeitados, do que por mulheres enciúmadas.

   Nunca me envolvi com ninguém por causa do físico. Pensando em todos eles, nenhum era bonito ou tinha um bom corpo espectacular. Era mais pela conversa e pelo intelecto. Assim de repente, pensando nas suas áreas de estudo/trabalho, vejamos: Informática, Física e Matemática, Cardiopneumologia, Psicologia, Comunicação. Gosto de geeks e intelectuais.
   O único que, quando começamos, tinha um corpo fantástico é o D. Mas a vida de casado, encarregou-se de tratar disso. Lá se foi o six pack. Mas continua a ser o mais bonito da "colecção". Bonito e inteligente! Lucky me.

   Nunca tive uma "one night stand", no sentido de conhecer alguém, ir para a cama com ele na hora e nunca mais o ver. Não porque não tivesse havido desejo/atracção, mas porque sou um bocado germofóbica. Trocar fluidos com alguém que acabei de conhecer? Errr.... Não, obrigada. Para mim é nojento. E reparem, só falo por mim. Não julgo quem o faça. A não ser que a pessoa tenha algo contagioso bem visível. A sério? Tinhas mesmo de te enrolar com aquela gaja ou aquele gajo com herpes bem visível? Que nojo!
   Mas tive uma "afternoon stand", no sentido em que antes de nos termos encontrado "dessa" forma, já tinha havido uns beijinhos (beijinhos e não "beijinho"! ok?), e ainda hoje falo tranquilamente com a pessoa. Apesar de ter havido muito filme entretanto. Foi com o Filipe III, que terá direito a uma história só dele. Entre os meus amigos essa história já é conhecida e é a história sexual que mais gosto de contar. As pessoas riem-se até mais não.

   Já fui traída e já traí. Falo primeiro de ter levado um par de cornos (e se calhar foram mais, não faço ideia, nem me preocupo muito com isso), porque assim não me começam logo a chamar-me nomes. Esta deu para rir. Como se não o fizessem já.
   De qualquer forma, tenho uma dupla perspectiva da coisa. Ter traído, nas condições em que o fiz, deixavam-me altamente angustiada. E não era pelo meu namorado da altura. Era porque eu estava a trair com alguém que também o estava a fazer, por quem estava apaixonada e que me disse que se eu deixasse o meu namorado que me deixava. Mais uma história que contarei noutro dia. Falarei do "Diogo" e do "Guilherme", noutra altura.
   Quando fui traída pelo Filipe II, concluí que o que doía a nível da traição sexual era apenas o Ego e que com isso facilmente lidava. O que doeu, foi ele ter-me feito perder dois anos da minha vida, ter-me colocado em risco e ter-se aproveitado das minhas dores mais profundas para o fazer e sair impune. Tentar, porque no fim, no auge do filme todo até meteu a PJ ao barulho. Mais uma história que, a seu tempo, partilharei com vocês e o que quero dizer com "perder dois anos da minha vida". E esta será muito importante partilhar, até porque o tipo virou "stalker" e acho que é bom falar abertamente sobre isso e sobre como lidei com toda a situação (e, 5 anos mais tarde, ainda lido).

   O que importa é que em todas os casos aprendi algo. Sobre mim, sobre a minha forma de viver a afectividade e as relações.
   Mas há algo que sempre fiz, sempre dei o mais que pude de mim. Nunca vi as pessoas como um "divertimento" passageiro ou de forma exclusivamente egoísta.
   Só não falo com duas pessoas. Uma delas é o stalker, o motivo é óbvio. Outra é o Diogo, e não é porque ele não tivesse tentado. É porque é uma pessoa que não tem mesmo nada a ver comigo, de quem eu vejo fotografias e penso no ser patético que se tornou. E porque é o único que eu tenho vergonha de dizer que namorei. Mas desejo que seja feliz. Aliás, desejo que ambos sejam muito felizes e que não me chateiem.

   Pensando bem, é algo que desejo a toda a gente neste mundo. Que sejam felizes e não me chateiem. Principalmente que não me chateiem.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A D. Manuela

   A minha Avó, a D. Manuela, é a matriarca da Família Soares. Ai, a D. Manuela...
   Imagino que as vossas famílias sejam parecidas com a minha.
   E que as reuniões das famílias portuguesas sejam parecidas com as descrições que vemos das das famílias italianas:
   Uma mesa cheia de comida, com uma multidão à volta, putos a correr, gente a gritar, gente a rir à gargalhada e gente a chorar.
   Bem, se a vossa família não se comporta assim não sabem o que estão a perder.

   A D. Manuela sempre nos adorou e sempre nos quis por perto.
   Era a D. Manuela que tratava de mim quando ficava doente. Amigdalites, varicela e todas essas coisas, lá era eu levada para casa dos avós.
   Foi a D. Manuela que entrou em pânico quando me viu com a cara toda ensanguentada. Estava a brincar às escondidas e fui esconder-me no único sítio que os meus avós já tinham dito mil vezes para eu não me aproximar. Aqueles cactos gigantes, com umas folhas compridas e muito duras. Fui esconder-me debaixo do cacto e espetei uma dessas folhas na testa e nunca uma ferida sangrou tanto. Não parava. Quando cheguei ao pé da minha avó a chorar, era sangue por todos os lados e metade da cara inchada. Mas nunca disse o verdadeiro motivo. Inventei uma treta qualquer sobre estar a correr à volta casa e ter ido contra a parede. Mas nunca assumi que tinha ido brincar para onde tinha sido proibida.

   A D. Manuela sempre nos adorou e sempre nos quis por perto. Com demasiada intensidade. Com uma perversidade trágico-cómica que lhe é característica. Com muito amor e muita inconveniência e disparate.
   Houve um ano, quando eu tinha para aí 6 anos, em que saí de casa muito cedo para ir brincar com um amigo. Ora, com a pressa para ir para a brincadeira não vesti as cuecas (odeio esta palavra... visceralmente). Quando a D. Manuela viu que eu tinha ido para a rua nesses preparos indecentes, disse-me "eu nunca te bati, mas hoje tem de ser". E pimba! palmada no rabo. No ano seguinte, não me lembro que disparate fiz, mas disse-me a D. Manuela "eu nunca te bati, mas...", "Mas a avó disse-me isso no ano passado! E deu-me uma palmada!", "Eu???" disse ela indignada, "Estás-me a desmentir?". E pimba! Mais uma palmada.
   Lembro-me de ver a minha avó a costurar. Principalmente meias, com um ovo de madeira. Sempre achei piada ao ovo de madeira. Um dia entrei na sala, descalça como sempre (adoro andar descalça), e espetei uma agulha no pé. Não piquei o pé, a agulha entrou mesmo na carne e ficou lá espetada com alguma profundidade. Quando estou prestes a chorar (tinha uns 7 ou 8 anos), diz a D. Manuela "É bem feito! Eu não te disse para não andares descalça?".
   Não há como ganhar... A culpa é sempre nossa. Hoje em dia uma avó ou uma mãe culparia a escola dos miúdos por não lhes ensinarem que as agulhas picam, porque a culpa é sempre dos professores.

   Bem, voltemos ao tema inicial de reuniões familiares.
   Era o aniversário da D. Manuela. Para aí o 86º. Estava tudo a correr bem: ríamos, comíamos, bebíamos... Gozávamos com os putos e tentávamos enganá-los, discutia-se o estado do País, que vai de mal a pior (sempre!), evitando-se falar de esquerda ou direita para que a gritaria não seja maior. Recordavam-se histórias de família. Pediam-se mais duas garrafas de vinho (sempre branco fresquinho para a D. Manuela). Falávamos como a D. Manuela estava bem, considerando a idade e que seria, provavelmente, a ruindade que a conserva e como nos enterrará a todos. É bem rija, a D. Manuela. E se me acham má ou cruel, haveriam de conhecer a D. Manuela. Ai, a D. Manuela...
   Estávamos todos animados, ainda ninguém se tinha chateado e abandonado tempestuosamente o restaurante. Nisto o Miguel, filho da minha prima Patrícia e que estava sentado ao lado da bisavó, começa a chorar.
   - O que foi, Miguel? Que se passou?
   E o Miguel chorava, chorava...
   - Então, Miguel? Estás a chorar porquê?
   - Mãe!! - Vociferou o meu Pai - O que é que andou a dizer ao miúdo?
   - Eu???? - Disse a D. Manuela - Eu não disse nada... Estávamos só a conversar e ele começou a chorar.
   E o Miguel chorava, chorava.
   E a mesa alternava entre dar um raspanete à D. Manuela e entre rir, a adivinhar com o que viria dali.    Que disparate teria saído daquela mente.
   - A avó vai morrer! - Disse o Miguel num pranto e continuou a chorar, a chorar.
   - Morrer? Oh, Mãe! - Reforçou o meu tio - O que é que disse ao Miguel?
   - Eu não disse nada! - Manteve a D. Manuela, com um ar muito enfiado.
   E a mesa começou a rir.
   - Claro que vai morrer, Miguel. Mas não é agora. Todos nós vamos morrer um dia. Não te preocupes. - Disse eu. Agora que penso nisso, talvez não tenha ajudado.
   E o Miguel, continuava a chorar. Mas revelou:
   - A avó disse que está muito velhinha e vai morrer.
   E a mesa exclamou um "aaahhhh" geral. Não há ninguém que não o tenha ouvido já. Eu já o oiço à 30 anos. A minha irmã há 40. A minha avó está muito velhinha e vai morrer há quatro décadas!
   A diferença é que nunca ninguém ali valorizou o que dizia a D. Manuela. Sou capaz de jurar que um dos meus sobrinhos, provavelmente a Salomé, lhe terá respondido um "Está bem", quando confrontada com o mesmo discurso.
   Lá se deu um raspanete, se disse uns "Parece impossível. É sempre a mesma coisa.", riu-se e se concluiu que já poderíamos passar as sobremesas.

   A D. Manuela fez este Setembro 90 anos! Entretanto já foi parar ao hospital duas ou três vezes. Ficamos sempre aliviados quando ela acorda e começa a refilar.

domingo, 19 de outubro de 2014

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Avô João

     O Avô João era o pai do Meu Pai. O Avô João era muito paciente.

   Ainda me lembro dos preparativos para irmos para Santa Cruz, antes de haver auto-estradas. Um carocha, cheio de malas até ao tecto (porque já não cabia mais nada no porta-bagagens, que era à frente), à frente o avô a conduzir, ao lado a avó (que uma vez instalada não se mexia até chegarmos ao destino), atrás: eu, malas, um cão e um papagaio. Durante a viagem, parávamos umas três vezes para eu vomitar e umas outras três para o Avô João fazer xixi (sabem como é, a idade…).
A paciência do Avô João não acabava, nunca. Excepto quando era a hora de refeição. Era a única altura em que ficava colérico comigo. Muito irritado, muito vermelho. Porque eu não comida, porque eu brincava com a comida, porque quando já estavam a terminar a refeição eu ainda estava a mexer a colher na sopa. Depois era mandada para a cozinha, de onde apenas sairia quando tivesse comido tudo. Geralmente, alguém acabava por me perdoar quando reparavam que mesmo a “solitária” não me fazia comer e que lá continuava eu entretida com os meus pensamento, a girar a colher… 2 horas depois!

   O Avô João era um espectáculo. Não havia nada que ele não fizesse pelas netas.
   O Avô João levava as netas (e o cão) para fazerem anúncios de televisão. Apareci num para a Compal, em que andava numa mota invisível e me abastecia de sumo. E outro para um banco que não me lembro o nome (mas a cor era azul e tinha um leão), em que fomos os dois e tínhamos de carregar um colchão até ao banco. Já o cão, entrou num anúncio da Robbialac.
   Era o Avô João que me punha a fazer xixi, antes de irmos todos dormir. Era o Avô João que se levantava a meio da noite para ir à casa de banho e depois me levava a mim para eu não fazer xixi na cama. Foi o Avô João que acabou com essa coisa das fraldas.
   Foi o Avô João que me tirou a chucha. E com que arte o fez, apelando ao amor e à ganância de uma criança que adorava chucha. Um dia tivemos uma conversa no quintal, provavelmente a primeira conversa de que a minha memória se lembra, deveria ter uns 3 ou 4 anos. “Se plantares a chucha, vai crescer uma árvore de chuchas”, “de todas as cores?” perguntei curiosa, “sim…”, “de todos os tamanhos? E feitios?”, já estava a ficar entusiasmada, “sim. De todas as cores, tamanhos e feitios”. “Mas há uma condição.”, avisou o Avô João, “durante o tempo que a árvore leva a crescer e a dar chuchas, não podes usar outra chucha. Mas depois, vais ter todas as chuchas, de todas as cores e de todos os tamanhos e feitios”. E, sem duvidar da sua palavra de Avô, entreguei-lhe a minha chucha, e fiquei a observá-lo enquanto a plantava e regava no fim. E fiquei à espera, até hoje.

   O Avô João também arranjava tudo. Um buraco no chapéu de palha? Mete-se uma papoila de tecido e está feito. Ainda mais giro do que dantes. Bicicletas? Não havia problema. O que me leva a outra história em que confiei, mais uma vez, no Avô João.
   Lembro-me de coisas como lançar papagaios ou ir a correr com o Avô João para a rua, para que ele fotografasse uma trovoada seca, enquanto a Avó gritava da janela que éramos malucos e que aquilo era um perigo. Ainda hoje adoro trovoadas, sinto-me confortável e segura. Talvez me reporte aquele momento em que estávamos no portão da casa a olhar para o céu.
Foi o Avô João que me ensinou a andar de bicicleta e que me tirou as rodinhas. Nunca me esquecerei desse dia. A segurar a bicicleta empurrar-me pela rua, cada vez mais rápido, e depois em vez de a agarrar com as mãos, usar o cabo de uma vassoura para me dar uma sensação de segurança e apoio. Cabo esse que já não lá estava, quando olhei para trás e vi o Avô João lá ao fundo, a sorrir.


   Ora, houve um dia que a bicicleta se estragou e, como de costume, foi o Avô João que pegou nas suas ferramentas e a arranjou, deixando-me toda contente. Peguei logo na bicicleta e lá fui “dar uma volta ao quarteirão” (e sim, ia sozinha, porque naquele tempo, mesmo com 7 anitos tinha essa liberdade, que era comum. Brincávamos na rua e quando era hora de almoço, lá vinham os pais ou avós gritar os nossos nomes à porta das casas). Estava eu na minha voltinha quando, como habitual “saquei um cavalinho” e aconteceu aquilo que torna esta história memorável. Ao puxar pelo guiador, para que a parte da frente da bicicleta ficasse elevada no ar, eis que a peça se solta do resto da bicicleta. Fico com o guiador nas mãos e, não sei que leis da física funcionaram para tornar esta história mais hilariante, voei por cima da bicicleta e aterrei de queixo e mãos na gravilha (claro!). Ora, eu nunca fui “mariquinhas”, portanto quando caí, fiquei um bocado abananada, mas lá me levantei e comecei a sacudir as pedrinhas do vestido e das mãos esfoladas. Nestes preparos, sinto o queixo húmido e levo lá as mãos. Quando olho, imenso sangue… Ora, eu nunca fui “mariquinhas”, menos com o meu sangue. Começo num pranto e lá vem um vizinho para me ajudar a ir para casa. Claro, que o Avô João voltou a arranjar a bicicleta e eu voltei a confiar nele. Ainda hoje tenho a cicatriz no queixo. A minha bicicleta azul, com as borrachas do guiador brancas (e cujo nome agora não me lembro), não sei o que lhe aconteceu.