quinta-feira, 30 de novembro de 2017

"Quando é que vem o próximo?"

Ainda não tinham passado 24h desde que tinha expelido um bebé de um modo algo traumatizante e já me estavam a fazer esta pergunta.
Ainda a Carminho só conhecia a barriga e a Maternidade Alfredo da Costa e já me tinham feito essa pergunta mais do que uma vez.

Desde então ouvi muitas formas de se colocar a questão:
  • "A Carminho precisa de um irmão";
  • "Quem tem um não tem nada";
  • "Só um não chega";
  • "Adoptar não é a mesma coisa";
  • "O segundo não custa nada";
  • "A seguir é tentar um rapaz".
Entre outras.


Vou tentar ser pacífica na forma de explicar esta questão.
Odeio de morte esta pergunta. Vomito um bocadinho na boca de cada vez que a oiço. Na minha mente, reviro tanto os olhos que consigo ver o meu próprio cérebro. Se respondo com um sorriso e pouco mais, é porque estou a tentar acalmar-me para não gritar um "foda-se!".
Não pretendo ofender ninguém que me tenha feito esta questão. A maioria das pessoas são-me bastante próximas e são pessoas que adoro.
Mas, caramba. Não suporto mesmo esta pergunta, por diversos motivos. É invasiva, é vazia, é perguntar para fazer conversa.

Tal como ninguém deveria perguntar "quando é que tens filhos?", ninguém deveria perguntar "quando é que vem o próximo".
Não sabemos se as pessoas podem, se as pessoas querem ou se é um assunto delicado entre o casal em que um quer e o outro não.

Às vezes tenho vontade de responder "não haverá próximo, porque durante o parto tiveram de fazer uma histerectomia e agora não posso ter mais filhos", talvez a pessoa percebesse que é uma pergunta que não se faz e não a voltasse a repetir com quem quer que seja. Mas seria mentira e não há necessidade disso. Seria mentira no meu caso, mas há muitos casos em que isso acontece e é desnecessário relembrar isso à mulher. É sempre desnecessário, agora imaginem quando ainda não passaram 24 horas desde que essa intervenção aconteceu.

Outras vezes, o próprio casal não quer e mais ninguém tem o que quer que seja a ver com isso. "Não queremos", "porquê?", "não é da tua conta". E fica um ambiente estranho entre as pessoas. É desnecessário. O que é que terceiros têm a ver com a quantidade de filhos dos outros? Não se podem preocupar com o número de filhos que vocês próprios tiveram/têm/terão? Em que é que influencia a vossa vida, se outros casais têm 1, 2, 5, 7 ou nenhum filho? O que é que isso contribui para a vossa felicidade? Nada!

Por fim, e este é o meu caso: pode haver uma divergência de interesses entre o casal e é escusado irem buscar um assunto que é delicado entre os dois.
Eu não quero ter mais filhos e o Duarte quer, "pelo menos" (é tão fácil para eles) mais um.
Estou bem como estou. Eu nem tinha a certeza de querer ter filhos e agora tenho a certeza de que estou bem. Não significa que daqui a um ano ou 20 (quando for tarde demais), não mude de ideias. O que eu sei é que, de momento, não quero ter mais filhos e o Duarte quer. E, quando nos fazem essa pergunta, torna-se num momento bastante constrangedor entre os dois. Algo completamente desnecessário.

Ainda estava eu a pensar que tinha sobrevivido ao parto, que estive quase a "bater nas portas do céu", e já me estavam a perguntar "então e o próximo?". Ainda estava eu a olhar para a Carminho e a perguntar "quem és tu?" e já me estavam a fazer essa pergunta. Ainda estavam a ver a minha filha pela primeira vez e já estavam preocupados com quando viria o próximo.
Eu estou ainda estou a conhecer a minha filha. Algo que durará toda a minha vida. Estou concentrada em cuidar dela, a dar-lhe todo o afecto que tenho para dar, a prestar atenção às novas necessidades que surgem a cada dia, em que seja um bebé saudável e feliz.
"Quem tem um não tem nenhum". Eu tenho uma, apenas uma, e tenho tudo! Sou feliz, estou preenchida. Não preciso de ter mais filhos. Estou óptima.
Quero dar toda a minha atenção à Carminho, não quero ter um segundo ou um terceiro só porque "é suposto", de acordo com "eles".

Sou uma mulher, não sou uma parideira.
Porque é que tenho de ter mais do que um filho? Porque é que tinha, sequer, de ter um filho?
Há quem queira ter toda uma equipa de futebol e eu acho isso óptimo, para essas pessoas. Há quem não queira ter filho e isso também me parece óptimo. Parece-me óptimo que cada um saiba o que o faz feliz e o que quer na vida, e que viva de acordo com isso.

Parece-me péssimo que andem a fazer perguntas que podem criar um conflito interno ou um conflito entre o casal.
Não perguntem. Não é da vossa conta.
Quanto muito perguntem "querem?" e não "quando?", mas depois abstenham-se de opinar sobre o que os outros devem fazer com a sua (in)fertilidade.
Ninguém deve ser colocado numa situação de explicar porque é que não tem ou não quer ter um ou mais filhos.

No meu caso concreto, porque é que não quero:
  1. A Carminho preenche-me. É um amor único, não me imagino sequer a dividir este amor com mais ninguém. Não vos consigo explicar melhor do que isto. Não poderia ter pedido por um bebé melhor do que o que ela é;
  2. Não vejo qual é o problema de se ser filho único. Percebo que quem tenha irmãos veja que isso seja um espectáculo, eu sou mais filha única do que filha mais nova e não senti qualquer necessidade de ter crescido com um irmão todos os dias ao meu lado. Não sou mais egoísta do que muita gente que conheço e que tem irmãos, fui ensinada a partilhar;
  3. Sou uma pessoa introvertida, embora não pareça. Gosto de estar na minha, gosto de estar sozinha. As pessoas esgotam-me, sugam-me as energias. Apesar de amar de morte a minha filha, estou muito cansada porque há 6 meses que não sei o que é ter umas horas só para mim, para os meus pensamentos, sem que tenha de fazer contas às horas a que ela vai precisar da minha mama. Mas faz parte e se que daqui a uns mestiços, quando ela não precisar da maminha da mãe para se alimentar o poderei fazer;
  4. Com o nascimento da minha filha, percebi que ser mãe não era algo que me fosse indispensável para me sentir realizada enquanto mulher. Se não tivesse tido filhos, teria sido feliz na mesma. Há mulheres para quem ser mãe é uma prioridade, para mim nunca foi;
  5. Não sou fã de bebés. Não é que não goste de bebés, simplesmente nunca fui pessoa de me derreter por bebés ou crianças. Já com animais, fico maluca. Com excepção dos meus sobrinhos, que são outro amor da minha vida, acho que os bebés e crianças são porreiros e divertidos e aprendemos imenso com eles, mas não me fazem babar (por isso é que percebo alguns dos meus amigos que não se babem pela minha filha, por isso é que não envio fotos da Carminho a não ser que mo peçam);
  6. Não olho para um bebé e fico com vontade de cuidar dele. A cada passo que a Carminho dá para se tornar menos dependente, eu fico mais feliz. Por ela e por mim. Acho que ela está cada vez mais interessante e não tenho vontade nenhuma de voltar a passar por todo o processo;
  7. Não quero voltar a parir! "Ah, mas o segundo é mais fácil", pode ser e pode não ser - é algo impossível de prever. Não quero voltar a parir e ponto final.
Coisas que me fariam ponderar ter mais filhos (vá, não fiquem muito chocados com esta parte):
  1. Ser pai. Se eu pudesse ser o pai, era na boa!
  2. Se conseguisse delegar nos outros tarefas que acho que são inerentes ao papel de ser mãe: por exemplo, não amamentar e alimentar o bebé a leite artificial para poder ter tempo para fazer a minha vida. Mas não consigo, se é para ser Mãe é para fazer todos os sacrifícios possíveis.
  3. A probabilidade de acontecer algo terrível à minha filha. O único motivo que me faz sequer ponderar em ponderar ponderar ter filhos, é a possibilidade que assombra qualquer pai: a morte precoce do seu descendente. Não sei o que seria de mim se acontecesse algo à minha filha. Já sonhei com isso e acordei alagada em suor e com o coração a mil. Foi o pior pesadelo da minha vida. E, racionalmente, sei que quem tem mais do que um filho, aguenta melhor essa perda;
  4. Haver o chamado "acidente". Sou a favor de se poder escolher fazer uma interrupção voluntária da gravidez, mas eu não o faria. Muito menos agora que sou Mãe. A não ser, em casos de deficiências, etc.;
  5. Se recorresse à adopção. Gostava de adoptar uma criança. Tenho plena consciência do difícil que isso é, do quão diferente é de ter um filho "biológico". Mas gostava muito de adoptar. Há tantas crianças que já nasceram e que precisam de um lar. 
E ainda mais. Fico ofendida com esta pergunta. A Carminho tem 6 meses e já fazem essa pergunta? Preocupem-se primeiro em conhecê-la e depois com a possibilidade (ou não) de haver mais rebentos.

Vamos acabar com esta pergunta. Com esta mania de perguntarem "quando se juntam?", "quando se casam?", "quando têm filhos?", "quando têm o próximo?, "E o próximo?", "o quê? Vão ter mais? Não chega já?".
Da minha parte, deixem-me que vos diga: colocam-me numa posição bastante desconfortável em relação ao meu marido quando mo perguntam.
Porque ele quer e eu não.

Se forem um dos membros do casal, é completamente legítimo que façam estas perguntas ao parceiro. Se não forem não têm nada a ver com isso. Não se metam. Nem se o objectivo for, apenas, ser engraçado. Não sabem qual a história que está por detrás da resposta às vossas perguntas.
Pensem antes de perguntar. Pensem que poderão estar a adicionar stress a uma relação só por uma pequena pergunta. Pensem que poderão contribuir para uma discussão entre os vossos amigos e familiares só porque tiveram de abrir a boca.
Pensem que poderão estar a ir buscar uma assunto traumático, no caso de alguém que gostaria, mas não pode. E que essa pessoa não tem que se justificar perante vós.

Se há assunto em que "entre marido e mulher não se mete a colher", este é um deles.
Pensem nisto.