domingo, 28 de setembro de 2014

O que eu procuro não és tu, sou eu.

    Porque me dizes essas coisas? Há mesmo necessidade disso entre nós? Precisas mesmo disso? Acreditas mesmo que é por ti que eu volto? Para te ver? Para te ouvir? Para te sentir?
    Eu não venho por ti. Eu venho por mim. Para me sentir viva, para ME sentir. Para que haja algo de diferente e emocionante no tédio que parte da minha vida se tornou.

    Não me interpretes mal, eu gosto de ti e estou encantada por ti. Pelo que és, por tudo o que fazes e procuras fazer. Pela imensa energia que tens, por não parares. Pelas parvoíces que dizes e que me fazem rir. Admiro-te, mas não é por ti que eu estou apaixonada. Estou apaixonada pelo espaço que criámos. Pela adrenalina que sinto por estar a fazer algo que é secreto. Por sentir que ainda sou capaz de sentir. Que o meu coração ainda bate, que a minha respiração ainda fica ofegante. Sentir que há algo que me entusiasma, que me excita, que me faz o sangue correr, furiosamente, pelas veias.

    Eu gosto de ti. Mais do que te tocar ou ver, eu gosto de te ouvir. Gosto de interagir contigo. Sei que está para breve o dia em que o nosso "espaço" acabará. E não nos voltaremos a encontrar, pelo menos intencionalmente. Desaparecerás ou desaparecerei eu. E será natural. Sei que não é "só por ti", eu sei que já conheceste pessoas tão ou mais interessantes do que eu. Não preciso de evidências, eu sei. E isso não me incomoda minimamente, tal como não me incomoda. Estou bem com isso. O que me incomoda é quando me dizes lugares-comuns, com um objectivo que eu não sei bem qual é. Eu não preciso que me digas isso, não quero que me digas isso.

    Eu gosto de ti, estou apaixonada pelo nós. Mas é por mim que eu faço isto. Por mim, não por ti. O que eu procuro não és tu, sou eu.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Memórias de Meu Pai

    Tal bom cliché psicanalítico, sempre fui "Menina do Papá". Tanto que o único alvo do meu carinho enquanto criança era o Meu Pai. Bem, o meu cão também, mas o que interessa neste momento é o Meu Pai.

    Os meus pais separaram-se quando eu tinha 3 anos e, como me parece a coisa mais justa e acertada, a minha mãe ficou comigo e o Meu Pai ficou com o cão.
    Quem me educava e aturava as minhas birras, que dizem serem das piores a que já se assistiu (prenúncio do feitio maravilhoso que se aprimorou com os anos), era a minha mãe e quem me levava a passear, brincar, jantar fora, etc., era o Meu Pai.

    Quando a minha mãe se zangava comigo ou me obrigava a fazer coisas que eu não queria, como acordar cedo para ir para a escola (sempre tive um péssimo acordar, por favor não falem comigo antes do pequeno-almoço, e sempre fui avessa a obrigações, eu faço o que quero, quando quero e ninguém manda em mim!), lá me punha eu a fazer chantagem emocional enquanto gritava em plenos pulmões "Eu quero o Papá! Eu quero o Meu Papá!!!!!!".

    Um pequeno parêntesis (quem me conhece sabe que adoro fazer parêntesis nas conversas, porque me lembro que coisas que estão relacionadas e que explicam melhor o contexto do que estou a dizer, percebem?): Nunca tratei os meus pais por "mamã" ou "papá". Até, durante um período os tratava por "mãe" e "pai", quando as circunstâncias exigiam que cumprissem o seu papel parental como mudar fralda, dar comida, dores de barriga. Quando era para brincar tratava-os pelo nome. Mas "mamã" e "papá", não.

    Adorava quando o Meu Pai me ia buscar à escola e me levava a passear (e ao cão) ao jardim de Belém e a comer gelados na Vela Latina, levando-me a ver uma loja que tinha caixas de música e ocasionalmente oferecendo-me uma, deixando-me completamente encantada.

    O Meu Pai levava-me às cavalitas, aos baloiços, deixava-me comer entradas e sobremesa nos restaurantes. O Meu Pai levava-me a esplanadas para beber groselha enquanto ele se resfrescava com uma imperial. O Meu Pai ensinou-me a conduzir. O Meu Pai ensinou-me a boiar, "É muito importante, porque se algum dia estiveres aflita no mar e ficares cansada, assim podes recuperar energias", disse-me enquanto nadávamos nas águas geladas e perigosas de Santa Cruz, onde é raro o mar permitir que nele nos banhemos. O Meu Pai levava-me a bares à noite quando se juntava com os amigos e dava-me moedas para as arcadas. O Meu Pai avisou-me veemente para não encostar o dedo ao incandescente cinzeiro do carro, coisa que fiz mal ele saiu. E claro que me queimei, e, obviamente, sofri em silêncio porque o meu pai nunca se tinha zangado comigo e não ia ser por causa daquilo.

    Quando eu tinha 8 anos, o Meu Pai levou-me à Eurodisney! À Eurodisney!! Eu tive um boné que era a cara da Margarida, bonecos da Minnie e do Mickey! Com 8 anos? Uma maravilha!

    O Meu Pai não estava todos os dias, mas quando aparecia era uma festa! Eu corria que nem uma seta para o colo dele e não o largava mais. O que invariavelmente deixava a minha avó cheia de ciúmes, "só quer o pai, só quer o pai! É uma loucura pelo pai! Não o larga!". Ficava enciumada porque andava sempre atrás de mim para me beijar e eu fugia, porque nunca fui dessas lamechices de abraços e beijinhos, só com o Meu Pai (e o cão).

    Houve uma altura, na minha adolescência (claro!), em que me "incompatibilizei" com a minha mãe e fui morar uns tempos com o Meu Pai. Um espectáculo! Tinha um andar inteiro só para mim, com casa de banho, sala e televisão no quarto! Isso é que era privacidade. Ficava a ver filmes e séries até às tantas, uma maravilha. Claro que acabei por fazer as pazes com a minha mãe e voltei para casa dela.
    Certo dia o Meu Pai ligou-me e quando não atendi deixou-me uma mensagem que me levou às lágrimas "Olá Filhota... Bem... Era só para ouvir a tua voz."


    Ora, porque é que esta mensagem foi tão importante para mim? Bem, a seguinte história demonstra-o.
    Tinha eu 13 (treze!!! não "treuze!!! treze!!!) anos quando fui com uma amiga de férias para Amesterdão, ficar em casa de uma amiga dos meus pais. Ora, nós tínhamos o nosso dinheiro e fomos deixadas por nossa conta durante o dia para fazer o que quisessemos durante esse tempo. O que é que uma miúda gulosa e entregue a si própria faz? Come merda.
    Durante três semanas o meu dia, falando apenas em alimentação, era à base de puré de maçã, pudins de chocolate e caramelo e sandes de manteiga de amendoim. Três semanas. Todos os dias... 21 dias.
    No dia em que regressámos a Lisboa, as nossas famílias foram buscar-nos ao aeroporto. E lá estava o Meu Pai! o Meu Papá! Que surpresa! Que contente que eu fiquei! E como de costume, corri para os seus braços. O Meu Pai abraçou-me, ao largar-me olhei-o com um sorriso e com aquele todo o meu carinho que sempre foi apenas só para ele, e ele com um enorme sorriso nos lábios e, em alto e bom som para toda a gente ouvir, disse algo que nunca me esquecerei:

    "ESTÁS GORDA QUE NEM UM TEXUGO!!!!"

domingo, 21 de setembro de 2014

"Nada. Agora já não me lembro."

    - Como é que consegues estar aí, simplesmente deitada, sem fazer nada? Sem ir, sem fazer, sem ser produtiva?
    - Nada? Estou a pensar. A sonhar. A contemplar. A fugir do mundo que me é imposto, com regras que não concordo e que não se adequam ao meu Ser. A imaginar e a construir o meu mundo. Como chamas a isso "nada" é algo que me transcende e que acho completamente absurdo.

    A maioria das pessoas fica inquieta quando vê alguém a pensar. Não sei porquê, nem elas sabem (ou querem) muito bem explicar o porquê, mas isso pouco me importa.
Geralmente sou eu a pensativa, cujo decurso dos pensamentos é interrompido por uma das seguintes questões:
    - Estás bem?
    - Passa-se alguma coisa?
    - Estás preocupada com algo?
   Geralmente seguidas de "É que estás muito calada...". E quando respondo "Estou só a pensar", segue-se um "Nada, agora já não me lembro..." à invariável questão "Em quê?".
    Na realidade a resposta verdadeira é "estava a imaginar que estava muito longe daqui, a lutar contra ninjas e que lhes estava a dar uma coça" ou qualquer outro fruto da minha imaginação fértil.
    Mas nunca posso responder a verdade. Primeiro porque não me apetece chatear ou ter de reagir a um "que pensamento estúpido/infantil". Segundo, e mais importante, porque é um mundo que só a mim pertence, que não quero partilhar e muito menos justificar.

    A minha imaginação é algo que ninguém, nem eu mesma, consegue controlar. É algo com vontade própria, não obedece a horários ou a qualquer outro tipo de regras. É um espaço invisível no qual eu posso ser Eu, sem ter de me adaptar ao Outro, sem consequências sociais ou morais. Sem me preocupar se ofendo alguém ou firo  susceptibilidades (o que acontece com frequência quando abro a boca).
    Sem imposições de qualquer espécie.

Certezas inabaláveis, acho eu...

    Sempre tive certezas sobre as quais era impossível dissuadir-me. E, invariavelmente, acabava a ter a certeza de que antes estava errada e que agora é que estava certa. Por vezes acontecia que passava a ter a certeza de que à primeira é que estava certa e que pelo meio tinha tido um devaneio.

    Agora deixei-me de certezas absolutas. Tenho a certeza!
   Acredito (e ninguém será  capaz de me fazer ter a certeza do contrário), que buscamos verdades absolutas para justificar o que sentimos e o que queremos fazer num determinado momento da nossa vida.

    Tenho também a certeza que muitas vezes escolhemos bem as palavras ao apregoar essas certezas, de modo a que quando tivermos uma que substitua a anterior, nunca tenhamos estado errados, mas sim sempre certos, validando certezas incomparáveis ou incompatíveis.

    "Eu recuso-me a comer fritos. Tenho a certeza de que fazem muito mal à saúde. E depois aquele sabor a oleo, horrível", mas quando somos apanhados a comer fritos "Ah, é terrível. Fazem mal, mas eu tenho a certeza que são muito mais saborosos, tal como tudo o que nos faz mal".
    Que deliciosamente hipócritas somos. Fritos ou assados, buscamos permanentemente o prazer. Seja a querer ter um corpo de modelo e ter homens a babar-se pelo nosso corpo, seja a enfardarmos uma bela dose de batata fritas acabadinhas de fazer e ainda a reluzir de tão gordurosas que estão. E depois lá vem a culpa. Porque não é bonito sucumbirmos nem à vaidade nem à gula.

    Mas... Enveredei pelos fritos porquê se eu faço tudo no forno? Nem sei se isto ilustrava bem o que queria dizer com a coisa das certezas. Estava tão convencida quando comecei esta comparação, mas agora já não tenho a certeza. Acho que me perdi pelo caminho.

    O meu pensamento tem vida própria. Disso eu tenho mesmo a certeza!

Manias minhas... Não as vou, nem quero, perder.

    Não gosto de escrever ao computador. As minhas ideias e o meu raciocínio fluem muito melhor quando estou munida de uma folha de papel e um lápis.
    Sim, lápis e não caneta. Rascunho que é rascunho é em lápis, mesmo se preferirmos riscar e não apagar. Gosto de riscar porque me permite ver a evolução do meu pensamento. Permite-me voltar a um instante de diálogo comigo mesma em que preferi substituir uma frase ou um termo por outro.
    
     Mas prefiro lápis. Sim, lápis e não lapiseira. Com a força que faço ao escrever, a mina parte-se com frequência o que me causa bastante irritação e quebra de raciocínio.
    Toda a minha tese foi escrita e rescrita a lápis. A cada parágrafo que escrevia atribuía um número que depois ordenava de uma forma e depois de outra até achar que assim é que estava correcto. No final, é que passei as dezenas e dezenas de páginas a computador.
    
    Com lápis é mais belo. O cheiro é sublime e há algo que me fascina no som que o carvão faz ao deslizar pelo papel.
    Gosto de afiar, com perfeição, o lápis antes de começar a trabalhar. E gosto como vai ficando com um traço cada vez mais grosseiro, mas cada vez mais suave.


    Também não gosto que me interrompam enquanto escrevo. Seja a responder a alguém num site da internet, seja no trabalho, seja no que for. Abomino quando me interrompem com um "estás a escrever o quê?". Provavelmente, porque o interesse é pouco e não passa de uma pergunta de circunstância que me me distrai da tarefa mais ou menos prazerosa que tenho em mãos.
    Deixa-me. O que interessa é que estou concentrada e me interrompes. Aguarda que te responda, quando puder e quando quiser, e nem penses em repetir a questão como se fosse surda. Provavelmente nem te ouvi, estou concentrada e bloqueei todos os estímulos exteriores. Ou se calhar ouvi, mas não queria ouvir, não me queria concentrar noutra coisa. Quando estiver pronta, procuro-te e falamos.
   
    Quando estou a escrever e me interrompem, não me param apenas os dedos mas também a linha de raciocínio. E tentar voltar onde estava costuma ser uma causa perdida, acabado por apagar tudo e recomeçar, ficando sempre aquela sensação terrível de que já não estamos a conseguir fazer tão bem como inicialmente.
    
    E durante largos minutos ficarei a tentar recuperar o irrecuperável, ficando frustrada até me distrair com outra coisa qualquer. Olha, um gato!

As opiniões são como...

    Irrita-me quando dizem "não gosto daquela malta que tem opinião sobre tudo".
   Talvez porque pertenço à "malta que tem opinião sobre tudo". Tenho é o cuidado se referir antes "pelo que sei/ li/ vi/ ouvi/ vivi, acho que...".

    Se somos seres pensantes (e não tenho a presunção de afirmar que somos os únicos a fazê-lo), não haveremos de ter opinião sobre algo que nos apresentam? Podemos também admitir que não temos dados suficientes e que a nossa opinião pode ser completamente inútil ou pedir mais informação sobre a questão em causa para que possamos no momento e de uma forma não absoluta tecer a nossa própria opinião.

    E porque não dizer que não sabemos o que achar porque nada é linear e depende muito do ponto de vista e das experiências de cada um? A minha experiência não é a mesma do que a pessoa que está ao meu lado, à minha frente ou do outro lado do ecrã. Bolas! As minhas opiniões vão-se construindo e desconstruindo conforme vou vivendo, sentido, experimentando.

    O problema, e é aqui que a coisa geralmente se complica, as pessoas só querem validação do seu ponto de vista e não que as façam pensar no assunto. Não contem comigo para validar seja o que for. Porque o fariam? Porque o fazem? Porque precisam de validar algo que é tão pessoal como a sua opinião e tão válida como a da pessoa que não concorda com elas? Ou precisam de validação porque sabem que algo falha, nas suas conclusões tão irrevogáveis como a saída do Portas do governo?

    Gosto que as pessoas se ponham do lado que criticam e tentem percebe-lo. Não digo que consigam, mas que pelo menos tentem. Quem não gosta de quem opina sobre tudo, geralmente só se lembra disso quando ouve algo com que não concorda ou que considera absurdo.

    Gosto quando alguém tem uma opinião diferente da minha. Dá-me prazer discutir ideias, opiniões, perceber de onde vêm e porque, apesar de diferentes das minhas, são igualmente verdadeiras. Dá-me gozo não concordar e explicar porquê. Estimula-me uma conversa mais acesa onde há respeito entre pessoas que não pensam do mesmo modo, porque não vêm das mesmas realidades, não fizeram exactamente o mesmo percurso.

    Mas, tenho de confessar, dá-me uma satisfação narcísica e maliciosa quando a considero a opinião absurda e ainda mais quando é um tema que conheço e percebo que a pessoa não se informou o suficiente e não tem a humildade para o admitir. É quando me divirto mais e quando, em vez de fazer passar o meu ponto de vista de forma directa, faço apenas perguntas. Aí, confesso que sou mazinha e que me dá algum prazer em vê-la a patinar e a contradizer-se, coisa com a qual a confronto na hora e, com um sorriso nos lábios, me delicio com um espectáculo de "sapateado".