terça-feira, 8 de abril de 2014

Parte I - Tudo Começou em Mim

       Desde os meus três anos que os meus pais estão separados. Nunca se casaram, pelo menos não um com o outro. Depois dos seus primeiros (e únicos) casamentos, devem ter percebido que aquele tipo de compromisso não era algo que lhes interessasse novamente. Do primeiro casamento do meu pai tinha duas irmãs e de outra relação um irmão (eu sou a mais nova dos quatro). Da minha mãe sou filha única. O facto de ser a mais nova de um lado e a única de outro poderia ser uma mistura explosiva, com grandes probabilidades de ter saído uma fedelha mimada, com a mania de ser rebelde, incapaz de partilhar e protegida em demasia pelos "papás". Estranhamente, tirando a fase normal de rebeldia adolescente, nunca fui mais problemática do que qualquer típico adolescente.
    
    Na escola primária não era a criança mais popular. Não gostava dos meus colegas e eles não gostavam de mim. Perfeito! Mesmo assim tinha três amigas com quem me dava bem. A escola era privada, numa zona elitista da capital. O ensino era muito bom, muito moderno, seguindo as linhas da escola francesa.
    O meu problema não era o ensino, eram os colegas. Nunca me consegui identificar com aquele pretensiosismo de "elite". Eu era a única criança da turma cujos pais não estavam casados e isso criava-me uma imensidade de problemas que decorriam do meu quotidiano familiar diferente do dos outros. Era alvo da crueldade dos meus colegas para quem eu era uma mentirosa porque dizia que tinha um cão mas ninguém tinha visto o meu cão (estava com o meu pai), dizia que tinha irmãos mas ninguém os via, dizia que era pobre e para eles isso era impossível. Bem, pobre não era, mas a minha mãe fazia um esforço enorme para que eu pudesse frequentar um ensino melhor e justificava a impossibilidade de certas compras (brinquedos...) dizendo-me que éramos "pobrezinhas", coisa que eu repetia inocentemente na escola.

   A minha mãe fez um esforço imenso para me dar uma boa educação e não era fácil ser apenas ela no dia-a-dia. Na altura eu não compreendia e, se de algumas coisas eu nem me apercebia, outras havia que eu não percebia e me causavam tristeza e inveja dos meus colegas. A verdade é que, com a idade, vim a perceber e agora acho que só fez de mim uma pessoa melhor.
    De vez em quando a minha mãe dizia que fazia o meu jantar ou almoço preferido: o "piquenique". Adorava! Sempre fui um pisco a comer e no piquenique só comíamos o que eu mais gostava: sandes, ovos quentes e "restos". Para mim era óptimo, não ter de comer nervuras da carne ou, pior ainda, peixe! A minha avó paterna achava este um péssimo hábito, mas, na realidade, o piquenique era uma forma que a minha mãe tinha de fazer o dinheiro esticar e tentar aguentar até ao final do mês.

    Só tivemos televisão quando fiz oito anos e não me lembro de, até essa data, a televisão me ter feito falta. Tinha livros, adorava ler e era a ler que a minha mãe me fazia comer. Negociava um parágrafo por uma garfada. Mais um hábito que não era permitido em casa dos meus avós. Podíamos ver televisão, mas ler à mesa nem pensar! Quando fiz oito anos o meu tio ligou à minha mãe e disse que me ia oferecer uma televisão pelos anos. Ela assentiu, mas só a condição de ser também oferecido um vídeo. Não queria que eu começasse a recusar fazer coisas só por causa da televisão. A verdade é que, com a chegada da televisão, a ida para as aulas no British Council aos sábados de manhã tornaram-se numa tortura porque me impediam de ver os desenhos animados.

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