segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Paracetamol antes da vacinação - Sim ou não?


Há vários profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) que sugerem que se dê um paracetamol (o ben-u-ron) aos bebés antes da administração das vacinas, mas será esta prática realmente necessária, indicada e aconselhável?
Será, a administração profiláctica de paracetamol, inócua e sem contra-indicações? Ou poderá aumentar a tolerância ao parecetamol, mascarar sintomas ou afectar de outro modo o efeito da vacina? 

O mais comum é esta sugestão ser feita quando se vai fazer a Bexsero (vacina extra-plano, para a meningite) e a motivação para esta prática é a diminuição a dor associada à administração da vacina e diminuição da febre que o bebé possa desenvolver a seguir.

Eu já tinha ouvido de tudo. Já tinha ouvido profissionais de saúde a defender esta prática e profissionais de saúde a dizer que era desnecessária. E algumas pessoas defendiam que poderia mascarar sintomas de reacções adversas da vacina, o que não seria muito aconselhável.


Fonte
No nosso caso, como nunca nos fez sentido dar-se um medicamento para um problema que não se tem, nunca demos nada antes da vacinação. Demos depois da primeira dose de Bexsero, porque nos disseram, mas nas seguintes optámos por esperar para ver se havia alguma necessidade - nunca houve, felizmente.
Além do mais, sempre optámos por usar a amamentação como abordagem de controlo da dor. Sempre foi eficaz.


Ora, a nossa pediatra (com quem sempre estivemos em sintonia, seja nas vacinas, seja no BLW, etc.) está de baixa e tivemos de passar para outra. Há umas semanas, fomos fazer a última dose da Bexsero e, enquanto esperávamos, ouvi-a dar indicações à enfermeira para dar o supositório à Carmita.
Perguntei, tranquilamente, se era mesmo o que pensavam fazer e se isso seria necessário, porque nunca o tínhamos feito. A médica respondeu que então, se nunca o tínhamos feito e a Carminho não costumava ter grandes reacções, não seria necessário.
Carmita na mama, agulha espetada, dois ou três acordes de choro e estava tudo ultrapassado.
Mas houve algo ali que eu não gostei. Principalmente, o estarem a combinar um procedimento sem nos consultarem. A adicionar, eu já não achava muita piada a esta prática.
No entanto, entre o nosso instinto/crenças/fontes e a ciência pode haver diferenças. Fui a matutar no caminho para casa, decidi dar o benefício da dúvida à actual pediatra e ir procurar o que diziam os estudos científicos sobre esta prática, em vez de me guiar por o que diz a ou b.


Fonte
Pois bem, os estudos que encontrei vão todos no sentido de não se administrar paracetamol antes das vacinas. Não encontrei nenhuma conclusão que abordasse um aumento da tolerância ou um mascarar de sintomas secundários.
No entanto, os estudos indicam que a administração profiláctica (preventiva) de paracetamol, apesar de diminuírem efectivamente a dor, o desconforto e a febre que possam estar associados à vacinação, diminuem a produção de anticorpos como resposta à vacina. E esses anticorpos são precisamente o que queremos que sejam produzidos quando vacinamos as crianças, são eles que conferem uma maior imunidade.
Até encontrei um estudo que questiona o uso do paracetamol depois da vacinação.
Outra conclusão presente nestes estudos é que a amamentação antes, durante e depois da vacinação está provada como eficaz na redução da dor e desconforto associados à vacinação, pelo que é uma prática recomendada.

Pelos mais variados motivos, há mães que não amamentam e, como tal, não podem recorrer à amamentação como método de controlo da dor do seu bebé. Uma alternativa é a administração de sacarose durante a vacinação.
De qualquer modo, falem sempre com o profissional de saúde. Cada caso é um caso e o importante é que se vacinem!

Ficam aqui as conclusões e os estudos consultados

  • The Effect of prophylactic paracetamol administration at time of vaccination on febrile reactions reactions and antibody responses in children: two open-label, randomizes controlled trials, 2009: "Although febrile reactions significantly decreased, prophylactic administration of antipyretic drugs at the time of vaccination should not be routinely recommended since antibody responses to several vaccine antigens were reduced" - Link
  • The effect of prophylactic antipyretic administration on post-vaccination adverse reactions and antibody respons in children: a systematic review, 2014: "Though prophylactic antipyretic administration leads to relief of the local and systemic symptoms after primary vaccinations, the is a reduction in antibody responses to some vaccine antigens without any effect on the nasopharyngeal carriage rates of S. pneumoniae & H. influenza serotypes. Future trials and surveillance programs should also aim at assessing the effectiveness of programs where prophylactic administration of PCM is given. The timing of administration of antipyretics should be discussed with the parents after explaining the benefits & risks" - Link;
  • The Relevancy of paracetamol and Breastfeeding Post Infant Vaccination: A Systematic Review, 2018: "The relevancy of giving paracetamol post all types of vaccination may be questionable. Breastfeeding before, during, and after immunization are recommended for pain reduction and are proven effective. Further research is required in deciding if paracetamol is to be of rational use following infant immunization" - Link
  • Fever prophylaxis can reduce vaccine responses: A Caution, 2018: "Two recent studies showed that such prophylaxis can reduce immune responses to some infant vaccines, warranting judicious use. In contrast, implementing treatment 6 hours or more after immunization had no effect on vaccine responses and would reduce drug exposure of asymptomatic infants" - Link;
  • Sucrose for analgesia in newborn infants undergoing painful procedures, 2016: "Sucrose is effective for reducing procedural pain from single events such as heel lance, venipuncture and intramuscular injection in both preterm and term infants. No serious side effects or harms have been documented with this intervention. We could not identify an optimal dose due to inconsistency in effective sucrose dosage among studies. Further investigation of repeated administration os sucrose in neonates is needed (...)" - Link.

Adenda (14/08/2018)
Acho por bem, depois de alguns comentários na página do FB, deixar aqui mais informação e esclarecer a minha posição.
  1. Não sou anti-paracetamol, nem anti-medicação. Apenas acho que os pais devem procurar informar-se e os profissionais de saúde devem informar todo o procedimento, incluindo alternativas, vantagens e desvantagens. Coisa que nem sempre acontece. Como alguém disse, e bem, "a vontade soberana é dos pais" (aqui entre nós, para o bem e para o mal, mas isso já são outros quinhentos). Só que para os pais fazerem escolhas informadas, têm de saber com que linhas se cosem;
  2. A amamentação antes, durante e depois, está provada que diminui a dor e desconforto (físico e emocional) no lactente. Se amamentam, é uma excelente alternativa à toma do paracetamol para evitar a dor. Em relação à febre, não vejo mesmo necessidade de se dar o que quer que seja, antes de lá chegar. No nosso caso nunca foi preciso e se eu tivesse optado por dar, nunca saberia que estava a dar desnecessariamente. Se não tivesse dado e tivesse havido reacções mais fortes, então aí já daria. Embora depois da vacina. Se não amamentasse, então aí provavelmente daria o paracetamol antes, para diminuir a dor e o desconforto sentido durante a administração da vacina;
  3. Esta minha publicação não serve para colocar em cheque os profissionais de saúde, mas para informar os pais. Os profissionais de saúde, não só trabalham para nós (e connosco) e querem diminuir o nosso sofrimento e o dos bebés, como têm de cumprir certas normas e recomendações por organismos que tutelam e supervisionam a sua profissão. Se estes organismos dizem que é para recomendar, é legítimo que os profissionais também o façam - até para se protegerem. É compreensível. No entanto, acho que uma política que "se não perguntarem, não digo", também não é correcto porque impede os pais de tomarem decisões informadas e nem todos os pais têm espírito crítico ou inquisitivo. Depois, como em todo o lado, há profissionais melhores do que outros, mais ou menos informados, mais ou menos actualizados - não estou a acusar nem a desculpar quem quer que seja;
  4. Recomendações da Sociedade Portuguesa de Pediatria e da Sociedade de Infecciologia Pediátrica da SPP sobre a administração de paracetamol: "Sendo a febre um efeito secundário frequente, em particular quando a Bexsero é dada em simultâneo com outras vacinas, recomenda-se a administração de paracetamol, no momento da vacinação ou pouco tempo depois, podendo ser administradas mais duas tomas com intervalos de 4 a 6 horas, o que reduzirá a febre, não havendo evidência de interferência com significado na resposta imunitária". (Remetem para um estudo de 2014) - Link;
  5. Recomendação constante da Norma da Direcção-Geral da Saúde para a vacinação contra a meningite, em idade pediátrica: "Até aos 24 meses de idade, recomenda-se a administração de paracetamol na dose recomendada para a idade, prévia à administração de MenB, com o objectivo de prevenir ou diminuir a febre possivelmente associada a esta vacina" - Link;
  6. Reforço: Cada caso é um caso! Falem com o profissional de saúde sobre a necessidade do paracetamol, alternativas para o vosso bebé (se assim o desejarem), perguntem qual a sua opinião sobre os estudos que recomendam que não se administre o paracetamol (nomeadamente, um estudo da GSK que é a empresa que fabrica a Bexsero - Link).
Não encontrei (por enquanto), os fundamentos para as recomendações da administração de paracetamol. Gostava de ter acesso a essa informação, pelo que se alguém a tiver, por favor partilhe.

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