quinta-feira, 2 de maio de 2019

Um género de ideologia

Tenho um género de ideologia: A Carminho é livre para escolher o que quer vestir, com o que quer brincar, independentemente da cor. Ou seja, o meu género de ideologia é "quero uma filha feliz!".




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Muito francamente, a conversa de "ideologia de género" já enjoa.
Primeiro, porque a maior parte das pessoas confunde "género" com "sexo" com "orientação sexual";
Segundo, porque "ideologia de género" não significa absolutamente nada. É daquelas frases em que se juntam conceitos que podem ser vistos como complexos para parir um pseudo-conceito;
Terceiro, porque nesta "guerra", como em qualquer outra mais mediatizada, o foco parece estar mais no "eu é que tenho razão" e não na preocupação com o outro.

Vou tentar explicar estes conceitos de uma forma muito básica e simples, com tudo o que implica este modo de explicar coisas.
O sexo é uma característica biológica, ou seja, física com que as pessoas nascem. Existem três tipos de sexo: feminino, masculino e intersexo. O intersexo é aquilo que antigamente era chado de "hermafroditismo" (uma ambiguidade física entre masculino e feminino).
A orientação sexual tem a ver com por quem a pessoa se sente sexualmente atraída. Pode ser heterosexual (atracção por pessoas do sexo oposto), homosexual (atracção por pessoas do mesmo sexo) ou bisexual (atracção por pessoas de ambos os sexos).
O género é um construto social. É um papel que assumimos e que tem a ver com aquilo que é esperado que seja assumido por cada sexo. É algo que varia cultural e temporalmente.

Não podemos esquecer que os conceitos sociais alteram-se, evoluem.
Há uns anos, fazia parte do género feminino apenas usar saia, ser mãe, não trabalhar e ficar em casa a cuidar dos filhos. Era esperado que, para o género feminino, fôssemos caladas, carinhosas, subservientes, que nos tapássemos dos pés à cabeça (ver o tornozelo descoberto de uma mulher era a lou-cu-ra!). Fazia parte do género feminino não conduzir, andar de cavalo com ambas as pernas para o mesmo lado, não jogar à bola, não dizer asneiras, não votar. E podia fazer todo um artigo elencando, apenas, o que era esperado do género feminino e que já não é. Porque isto evolui.
Já conduzimos, já votamos, já usamos calças, já usamos decotes até ao umbigo e rachas até à anca. Já há torneios de futebol feminino. Já há mulheres a conduzir camiões no Rali Dakar! Há mulheres engenheiras civis. E seria mais outro artigo elencando o que actualmente fazemos e que antigamente era esperado que as mulheres não fizessem, porque não fazia parte do rol de comportamentos aceitáveis para o género feminino.
E os homens já cozinham, já limpam a casa, já tratam de crianças, já há pais que ficam em casa com os filhos enquanto as mães voltam ao trabalho. No entanto, poderia ficar aqui a dissertar porque é mais fácil e mais aceite as mulheres assumirem características tradicionalmente associadas ao papel masculino, do que o contrário. É quase como se as características tipicamente masculinas fossem mais virtuosas ou robustas do que as características tipicamente femininas. Mas hoje não vou elaborar, porque a ideia era debitar sobre o género e as crianças.

Sobre o género e as crianças, tenho "um género de ideologia": deixem as crianças brincar, explorar, aprender, desenvolver. Deixem as crianças encontrarem o seu lugar no mundo e em si mesmas.
Permitam que as crianças fluoresçam e aprendam o que são. Aceitem os vossos filhos como eles são e não lhes tentem impingir as vossas expectativas de perfeição, sejam elas quais forem.
Vocês acham, que algum dia!, obrigarem a que as vossas filhas só se vistam de cor de rosa e brinquem às casinhas, e que os vossos filhos só se vistam de azul e só brinquem com carrinhos, vai fazer com que mude alguma coisa? Concordo tanto com isso como serem educados num ambiente em que há uma total ambivalência de géneros e de cores.

Não, não têm de desatar a comprar bonecas para os meninos ou carrinhos para as meninas, mas se virem que eles se interessam por esses brinquedos na escola ou no parque, qual é o problema em lhes propiciar o que eles gostam?
Têm noção de quantos meninos do parque "roubaram" o carrinho de bonecas cor de rosa choque da Carminho e andaram ali todos contentes a empurrá-lo? E quantos carrinhos a Carminho "roubou"? E quando as mães comentavam "ele adora o carrinho", eu respondia "comprei ali nos chineses, super barato!", para ouvir "mas é de menina...". Vocês acham que uma criança pequena tem sequer noção ou interesse do que é para meninos ou meninas? Eles querem absorver o mundo! E se tiverem? Vocês acham que é um mau estímulo um menino, um futuro homem, empurrar um carrinho de bebé? Ou um carrinho de compras? Porquê? Que péssima mensagem é que vêem aí? Pior do que brincar a matar?



Eles são o que são. Eles são o que querem ser.
E nós? Nós temos de nos mentalizar e perceber, de uma vez por todas, que eles não são um objecto comandado pelos nossos desejos e caprichos. 
As crianças são seres individuais, com direitos, com quereres, com apetências. E não há nada que possamos fazer para os contrariar. Se eles gostam de bolas, vai ser tirando o acesso a bolas que vão deixar de gostar?
Não chegam já todas as lutas e guerras que têm mesmo de ser? O não meter a mão na água a ferver, o não ingerir detergentes, o não brincar com lâminas... Aquelas coisas que são MESMO importantes e que valem a pena o drama de uma criança que percebe o "não", mas que não percebe o "porquê do não"?
Dêem-lhes liberdade para que sejam felizes. Não é isso que todos queremos?

Estou farta da conversa de género. Seja de que lado for. 
Nunca me identifiquei a 100% com o que era esperado de uma "menina", identificando-me com características imputadas ao sexo oposto.
Proponho que nos deixemos de géneros, de identificações com e/ou como, e que nos concentremos em "ser e deixar ser". Que nos deixemos de preocupar com o que os outros pensam e com o que os outros são/fazem/vestem.

Sempre pensei que quando tivesse filhos e se fosse menina, faria questão que praticasse uma arte marcial para se poder defender. Mas a Carminho, apesar de só querer vestir cor de rosa e de adorar bonecas e "coisinhas de menina", tem uma obsessão com bolas e estou a ver que vou é ter de a meter no futebol. Eu que adoro futebol lá vou ter de ir para as bancadas torcer pela pequena e conter-me para não me atirar aos pais mal educados (como vêem, já faço os filmes todos).
Já a imagino, de vestidinho aos folhinhos cor de rosa, a fazer remates à baliza com os colegas a dizerem "não vale bujas!!!".

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