sexta-feira, 10 de abril de 2020

Viver em Recolhimento - Guia para Pais (praticável)


Desde meados de Março que a maioria de nós se encontra a viver numa situação de recolhimento domiciliário (ou isolamento, como lhe preferirem chamar).
Tem sido, para muitos, uma época de grande stress, de medos, de ansiedade, alimentados pelas incertezas do futuro. Não só o futuro em relação à nossa saúde, mas também em relação às nossas redes de suporte sociais e em relação à estabilidade profissional.

Como já percebemos, este cenário está para durar. É uma situação temporária, mas um temporário longo. Já falei aqui no blogue de como nos podemos tranquilizar em relação à informação com que somos constantemente bombardeados e do que consiste a vida em estado de emergência.
Tenho andado a ler a documentação que a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) publicam e, até hoje, sempre os tenho considerado bastante bem elaborados, úteis e esclarecedores. No entanto, hoje decidi debruçar-me num documento de apoio às famílias, elaborado por estas duas entidades, intitulado "Famílias em isolamento durante a pandemia - kit de sobrevivência para pais". O documento é bom, mas vem acompanhado de dois calendários de actividades (um para crianças até aos 5 anos e outro para crianças até aos 14 anos). Sobre a dos 14 anos não me posso referir, pela falta de prática, mas a de até aos 5 anos deixarou-me frustrada. Porquê? Porque é impraticável, muito menos numa altura como aquela em que vivemos. E passo a explicar porquê.

A par das preocupações que já referi, muitas famílias deparam-se com a preocupação sobre o desenvolvimento dos filhos. Os nossos filhos estão em casa e tornámos-nos nos seus educadores formais, mesmo não tendo as habilitações necessárias. Não foi uma situação que escolhemos, mas uma situação que adveio da necessidade de gerir a pandemia.
De repente, todos somos pais a tempo inteiro. Não só pais a tempo inteiro, mas ao mesmo tempo, trabalhadores a tempo inteiro (e muitos não estão em teletrabalho).

A calendarização proposta pela OPP e pela DGS para crianças até aos 5 anos, não foi elaboradas por quem saiba o que é viver nestes termos. É impossível. A sensação que me dá é que pegaram num manual direcionado para educadores/professores e o adaptaram para os pais. Abri aquele documento cheia de expectativas positivas e caiu-me tudo.
É uma calendarização que começa às 07h15 e vai até às 20h30. Com 4 actividades estruturadas por dia. Não foi tida em consideração a necessidade de se arrumar a casa (algo que ocupa bastante tempo do nosso dia, mais ainda quando estamos permanentemente em casa), nem o tempo que é necessário para pensar, preparar e confeccionar refeições equilibradas. Menos ainda foi considerado que os pais não estão de férias, mas em casa, em teletrabalho.

Como quem me segue há mais tempo sabe, vivi, mais de dois anos, como mãe a tempo inteiro. Aquela calendarização parece feita por quem acha que ser pai a tempo inteiro é estar "alapado" no sofá a comer bombons enquanto os filhos andam por ali em auto-gestão e têm o auto-controlo de um adulto.
Bastou-me ler aquilo na diagonal para perceber que é um documento que não trará tranquilidade à maioria dos pais. Antes pelo contrário, contribuirá para o aumento do stress e frustração, e sensação de falha no seu papel. Não é justo, muito menos desejável.

Numa época como aquela que vivemos é fundamental protegermos a nossa saúde mental e, para isso, temos de fazer escolhas e facilitar a nossa vida, não dificultá-la, não adicionar mais preocupações ou stressPosto isto, aquela calendarização (e respectivo caderno de actividades) é um bom guia, mas não para ser seguido escrupulosamente.

Vou-vos dizer o que é mais importante nesta calendarização: manter as rotinas essenciais para o dia a dia e manter o brincar.

Manter as horas de acordar, de fazer as refeições, da sesta/descanso e do descansar. As rotinas são muito importantes para o nosso bem-estar, principalmente para as crianças. Elas buscam o previsível e estabilidade no seu quotidiano - é o que lhes dá tranquilidade, saberem o que vem a seguir. Aos fins de semana podemos ser um bocadinho mais relaxados nos horário, podem dormir mais um bocadinho, sair do pijama ou ir para a cama um pouco mais tarde. Até é bom para que haja uma distinção entre a semana e o fim de semana. Cuidado para não alterarem muito as horas, porque a imprevisibilidade, fome e cansaço costumam ser fonte de birras.
Se ainda não o fizeram ou não vos foi enviado, peçam à creche/JI/o que for, os horários dos pequenos e tentam mantê-lo. Os miúdos já estarão habituados a fazer as coisas nessas horas.

Actividades... Bem, o documento de que vos falei tem temas muito importantes para serem trabalhados, mas vou ser muito honesta: em vez de fazerem quatro actividades estruturadas por dia, comecem por uma e vão adaptando às vossas capacidades/tempo. Não se esqueçam é de variar a área temática. É importante trabalhar estas áreas do desenvolvimento, mas que este trabalho não vos comprometa o bem-estar mental e familiar.
De resto, estimulem a brincadeira das crianças. E brincar pode ter muitas formas: pode ser deixa-los sozinhos com os seus próprios brinquedos, pode ser ajudarem-vos a cozinhar ou a arrumar, a cuidarem  dos animais domésticos (por aqui a Carminho ajuda a dar comida às gatas e a limpar a caixa de areia, por exemplo). E também brincar com eles em algo que queiram, claro.
Metam música e deixem-nos dançar. E sim, podem pôr a música na televisão ou no computador. E podem deixá-los ver um pouco mais de televisão do que o desejável. Se ligar a televisão ou o computador é a única forma de conseguirem trabalhar uns bons minutos seguidos: que seja! Vivemos uma época excepcional que exige medidas excepcionais.

Temos de nos poupar. Somos os pais dos nossos filhos. Continuamos a ter de trabalhar, arrumar, cozinhar, lavar. Mais ainda agora que estamos todo o dia em casa.


Deixo-vos aqui os links dos documentos de que vos falei.
- "Famílias em isolamento durante a pandemia - kit de sobrevivência para pais" (link)
- "Calendário de actividades OPP/DGS até aos 5 anos" (link)
- "Calendário de actividades OPP/DGS até aos 14 anos" (link)
- "Sugestões de actividades para as famílias em isolamento com crianças" (link)


Também vos vou deixar aqui uns posters feitos pela OMS, com dicas de parentalidade, para quem perceber inglês. Parecem-me positivos e simples.

Fonte e ver maior
Fonte e ver maior

Fonte e ver maior

Fonte e ver maior

Fonte e ver maior

Fonte e ver maior

Sem comentários:

Enviar um comentário