domingo, 3 de dezembro de 2017

A História de Um Grego

Esta manhã, contei-vos aqui o início desta história.

De qualquer modo, deixo-o aqui. Quem já leu, é só ir mais abaixo que está lá a parte II.



Mais uma noite terrível.

Mas hoje não foi a Carminho!
Foi o excelentíssimo Pai da Carminho e foi o imberbe do vizinho de cima. Agora que a Carminho já dorme a noite toda quase sem fazer ruído e que eu já me começo a habituar a dormir a noite toda (acordava mesmo quando ela estava a dormir), têm de ser outras pessoas a lixar-me a noite.
Não é justo, pá!

Não me lembro se já vos contei que o Duarte tem crises de sonambulismo. Basta estar um pouco mais ansioso com qualquer coisa. Ele diz que está sempre tudo bem, mas o sonambulismo denuncia-o.
Não chega a andar de um lado para o outro, mas fala, manda vir, aponta para coisas, etc.
Imaginem o que é acordar a meio da noite com alguém a rir-se. É super creepy, mas já me habituei.
Também já acordou a mandar vir comigo por causa dos furos que tinha feito na parede em frente à cama - não há nenhum furo nessa parede! Ou a perguntar-me “o que é aquilo?”, todo lixado, apontando para a mesma parede - era uma sombra!
O que vale é que, incluindo a desta noite, conseguimos sempre rir sobre isso na manhã seguinte.


Imaginem estarem a dormir tranquilamente, como já não dormiam há muito tempo.
Olhem, como dormiam antes da gravidez! (Ou o mais parecido com isso que alguma vez teremos).
Estão a imaginar? Aposto que na vossa imagem até estão a dormir com um sorriso nos lábios, bem agarradas à almofada. E as saudades desse sono quase vos fazem ter uma lagriminha no canto do olho.
E, de repente, alguém vos agarra a cabeça com as duas mãos! Com força! Como se estivessem a apanhar uma bola que vem na sua direcção.


- Estás a segurar bem? - pergunta o Duarte
- O quê?!!
- Estás a segurar?
- A segurar o quê? Larga-me a cabeça! Lá estás tu com as tuas crises de sonambulismo. Resolve, mas é, os teus problemas e deixa-me dormir. Já começo a ficar farta disto. Dasss!
E voltámos a dormir. Ele mais rapidamente do que eu, obviamente.


E não, não é assim que se trata um sonâmbulo. Mas qualquer mulher concordará comigo que interromper o nosso sono é arriscar a vida.
Qualquer recém-mãe concordará comigo, que não se interrompe o sono de alguém que há muitos meses não sabe o que é dormir descansado. Principalmente, porque eles dormem descansados e nós acordamos com tudo!
Quem nunca ouviu o pai a gabar-se “ela hoje dormiu a noite toda!”? Não! TU dormiste a noite toda. É um cenário habitual em todas as casas, não é?


Voltamos a dormir e, passado não sei quanto tempo, às 4h30, acordo com um barulho estranho. Não conseguia muito bem identificar o que era, até que:
- Está alguém a tentar entrar em nossa casa!
Começo a abanar o Duarte, que só lá foi quase ao murro! (A inveja que eu tenho do sono dele).
Ele salta da cama e dirige-se à porta:
- quem estiver a tentar entrar, vá-se embora! - E a pessoa continuava a tentar forçar a entrada.
Eu salto da cama e vou pegar no meu bokken (uma espada de madeira que guardo desde os meus tempos de aikidoka). Volto ao quarto para pegar no telemóvel e marcar o 112 - pronta para chamar a polícia.
O Duarte continuava a tentar dissuadir a pessoa de entrar em nossa casa, mas percebendo que não ia ser bem sucedido diz-me:
- Vou abrir a porta!
- Ok! - digo eu, escondida, de bokken em riste e telemóvel pronto a fazer a chamada.


O Duarte abre e é um puto todo bêbado, que mal se aguenta em pé, encostado à porta.
- Deve ser um dos putos cá de cima.
Eu espreito e vejo um miúdo com pinta de nerd (sem querer ser pejorativa) todo lixado.
Ele olha para nós e, mesmo naquele estado, a nossa presença não deveria fazer sentido na cabeça dele.
- Andar y? Andar y?
- Não! Andar x! Porra! Gregaste-nos a porta? Amanhã vens limpar esta porcaria!
- Está bem. Está bem...


E lá foi ele. E cá ficamos nós. Eu com o coração a mil da adrenalina e a Carminho a choramingar porque acabou por acordar com a azáfama.


São 10 da manhã. Já o fomos tentar acordar, mas ninguém abriu a porta. Ou está mesmo KO ou estão a fingir que não estão em casa.
Não há cá poupar bêbados - merece vir limpar a porcaria em sofrimento.
E é bem que venha ele ou algum dos amigos. Porque aqui vive uma bebé e duas gatas, temos muita 💩 para a troca.


PS.: quando me levantei por causa do “invasor” nem me lembrei de pôr os óculos. Ainda bem que era só um puto bêbado, senão o mais provável era acertar no Duarte. Sem óculos ou lentes sou praticamente cega (míope, 5 dioptrias em cada olho).

Enquanto escrevia este texto, estava de ouvidinho bem aberto à espera de identificar algum som vindo do andar de cima.
Não que eu pudesse lá ir (a Carminho dormia a primeira sesta do dia e o Duarte tinha ido correr), mas assim confirmaria a presença de gente em casa.


Antes de vir para casa o Duarte ligou-me a dizer algo em que eu também já tinha pensado: se ninguém abrisse a porta, pediríamos à porteira o número da senhoria deles e informá-la-íamos do sucedido.
O Duarte chegou e voltou ao andar de cima - eu fiquei a ouvi-lo a bater à porta e a tocar à campainha. Desceu.
- Pá, ninguém atendeu, mas a porta estava aberta. Tal era a bezana que nem fechou a porta. Foi só bater com um pouco mais de força...
- E não entraste para ver?
- Não vou entrar na casa de outras pessoas, não sei o que se passa.
Entretanto já a Espiguita tinha acordado e estava ao meu colo.
- Se não vais tu, vou eu.
- Pronto, eu volto.

Fiquei à porta a ouvir tudo, mas acabei por subir também.
- Vai lá para casa.
- Já entraste?
- Não... Não quero entrar na casa de outras pessoas.
- Eu percebo, mas e se o puto está morto? Ou em coma alcoólico?
- Pois...
E lá foi entrando, batendo às portas, gritando "está alguém em casa?"... E eu a ver.
Por mim tinha entrado, mas já se sabe como é. Se for uma mulher a entrar é cusquice, se for homem foi mesmo ver se estava tudo bem. E não me apetecia entrar com a bebé ao colo.

- Então, meu? Estás bem? Deixaste a porta aberta! Sou o vizinho de baixo - explicou o Duarte.
Pronto! Estava vivo e, aparentemente, coerente.
- Lembras-te de mim? Tentaste entrar em nossa casa e vomitaste à porta?
- Sim, lembro. - Deve ser verdade!
Saiu do quarto, meio estremunhado, mas bem.

- Tens de ir limpar o grego - disse-lhe o Duarte.
- Peço desculpa. Eu só cheguei na quinta feira, não sei onde estão as coisas.
Ainda de pijama, acabadinho de ser acordado por um estranho em casa, mas já pronto para pegar no balde e na esfrega e descer connosco.
- Espera - disse eu - Estás bem? Pronto. Não tens de descer já, já. Acorda, toma o pequeno-almoço, toma o banho e depois desces.
- Não, eu vou já! Só tenho de descobrir as coisas.
Lá repetimos para ele ter calma. Afinal, o seu conteúdo intestinal esperaria por ele mais uns minutos.

Meia hora depois estava à nossa porta.
Eu estava a dar mama, mas ia ouvindo a conversa.
- Então, comeste arroz? - brincou o Duarte.
- Pois foi. Mas comi depressa demais, por isso é que vomitei.
Aqui, por pouco não gargalhei.
As desculpas do costume, "caiu-me mal", "parou-me a digestão", "foi o último copo", "não estava bem cozinhado". Nunca ninguém é capaz de admitir que bebeu demais. Só rir.
- Tens noção que te habilitaste a levar uma mocada? Não sabíamos quem era.

Enquanto limpava, lá ficou o Duarte a falar com ele. O que estudava e onde.
Ficámos a saber que estuda e trabalha. Pelo menos é esforçado.
Foi educado e responsável, pedindo desculpas e limpando a porcaria. Eu sei que é o mínimo, mas a postura dele foi impecável.
Nos dias que correm o habitual é apanharmos um espertinho, ou um mal encarado. Mas este miúdo, não. Gostei. Se algum dia precisar, abro-lhe a porta com todo o gosto.


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