sábado, 28 de março de 2020

A Loucura do Medo e a Procura da Tranquilidade - Parte I


Estou no 16ª dia de recolhimento voluntário.
Durante estas duas semanas já passei por várias fases de estados e humores - ansiedade, tristeza, falta de esperança, esperança, vontade de mandar tudo à merda, desistir disto da quarentena e "vamos mas é apanhar o vírus para despachar isto", curiosidade com o futuro pós-covid, etc.
É que, desde que iniciei este recolhimento, nunca acreditei que fosse apenas até ao final de Março. E quando, numa primeira vez, disseram que o pico seria em Maio, percebi logo que antes do verão a vida não voltaria à normalidade possível. Ora, se começamos o isolamento dois meses antes do pico, teremos de o continuar após esse pico.

Por isso mesmo é que não instituímos a quarentena absoluta cá em casa, mas um recolhimento.
Se fossem apenas duas semanas completamente fechados em casa, era na boa. Não sendo apenas duas semanas, mas uma situação para durar meses, é preciso ponderar o impacto que isto tem na nossa saúde mental.
Assim, o primeiro passo para a procura da tranquilidade foi instituir uma rotina. Já tinha trabalhado de casa e sabia o quão importante é. Para isso, não esperei e logo à creche da Carminho que enviasse o horário e rotinas que praticavam, para que ela não perca o hábito. Além disso, instituí também um breve passeio diário.

Antes que me atirem pedras pelo passeio diário, deixem-me explicar o porquê desta decisão e em que consiste esta pequena ida à rua. Relembro que nunca acreditei que fossem apenas duas semanas, e o plano era para ser algo a fazer por um período de tempo prolongado.
A Carminho tem, praticamente, 3 anos. Em qualquer outra circunstância, retirar uma criança da creche e fecha-la em casa 24h/dia, seria justificação mais do que suficiente para se chamar as entidades competentes e verificar se os pais estão a exercer maus tratos ou negligência. Porquê? Porque é uma idade crítica para a aquisição de determinadas competências e uma idade na qual é super importante a sociabilização com os seus pares e o explorar do mundo.
No entanto, face ao cenário que vivemos actualmente, retirar a Carminho da creche (e logo a seguir foi decretado o seu encerramento) foi uma decisão fundamental, que garantiria a segurança de todos (dela, nossa, nos colegas e por aí fora). Contrariando a nossa natureza de seres altamente sociais e gregários, o distanciamento social é fundamental para a nossa saúde neste momento.
E não me digam "as crianças adaptam-se", "as crianças são resilientes". Primeiro: claro que se adaptam quando confrontadas com uma mudança (todos nos adaptamos, que remédio). Segundo, as pessoas não nascem resilientes, tornam-se resilientes e estimulam a resiliência quando confrontadas com as adversidades da vida. Não é necessariamente positivo que alguém seja muito resiliente, porque, provavelmente, já passou por diversos eventos complicados ao longo da vida. É bom que tenhamos a capacidade de resiliência, mas não é imperativo que o seu significado seja bom ou livre de traumas.
Posto isto e analisando a informação de fontes fidedignas, optámos por, já que uma parte muito importante da sua vida estava interdita, não cortar com outra igualmente importante: o conhecimento do mundo exterior e a motricidade. Se morássemos numa vivenda com quintal, o cenário seria outro, mas vivemos num apartamento pequeno.
Assim, para manter este "esticar as pernas" ao ar livre, vamos para sítios isolados. Isto é, também fundamental, assim conseguimos cumprir o distanciamento social. Não vamos para sítios cheios de gente, não vamos para esplanadas, não vamos para o paredão, etc...

Se fosse só eu e o Duarte, as esporádicas idas ao supermercado ou à farmácia, seriam suficientes, mas não somos só os dois e não vamos levar a Carminho para as filas do supermercado. Aí é que o risco é mais elevado (pela proximidade das pessoas na fila, porque vamos tocar em objectos em que outros já tocaram...) e já chega se algum dia tiver mesmo de ser.
Até nos vedarem o acesso à rua, continuaremos a dar os nossos breves passeios e idas ao lixo. Em sítios sem gente, ao ar livre. Se não fosse seguro, não deixariam que as pessoas se colocassem em risco ao passear os cães.
Curiosamente e, provavelmente, por sentir a diferença no movimento, sons e falta de pessoas, a própria Carminho já começa a dizer que não quer ir à rua. Aos poucos, vamos-nos habituando a uma vida diferente.


Concluindo: a primeira fase da procura da tranquilidade foi a instituição de uma rotina, mantendo a normalidade possível.

A seguir vou partilhar convosco a segunda fase da procura da tranquilidade: filtrar, filtrar, filtrar!

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