quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Começar e Acabar: Estado para que vos quero



Este ano, a Carminho entrou na creche e a minha madrinha foi institucionalizada (que é como quem diz, foi para um lar). Até aqui chegarmos, e desde que a Carminho nasceu, desfez-se a minha ilusão de que o estado cuidava de nós desde o nascimento até à morte.
Percebi que se fica pelo acto de nascer, pelo morrer e pelos entretantos, mas que nos primeiros e últimos anos de vida estamos entregues à nossa sorte e à sorte de termos família e/ou amigos que nos rodeiam e que se podem encarregar de nós.

Nunca pensei muito nestes assuntos porque nunca me tinham batido à porta. Até agora, nunca tinha precisado de colocar um filho numa creche, nem nunca tinha precisado de institucionalizar um idoso ou um doente.
Nos últimos 2 anos e meio, a minha avó foi para um lar, a Carminho nasceu e a minha madrinha também foi institucionalizada.


No caso da minha avó e da minha madrinha, eram mulheres que moravam sozinhas e cuja sua condição de saúde tornou impossível a sua permanência nas suas casas. Aliás, não só a sua condição de saúde, mas também as suas condições financeiras. Embora ambas tivessem meios disponíveis, uma pela família, outra pela reforma e apoio de amigos, o seu estado obrigava a que tivessem de estar acompanhadas 24h/dia e chegou a um ponto em que uma "senhora" já não bastava - tinha de ser alguém especializado.
A minha avó, com demência própria da idade, com vários episódios cardíacos pelo meio; a minha madrinha, doente de esclerose múltipla e acamada. Tinham direito a que apoios do estado? Nenhum! Os apoios vieram de instituições particulares. Porquê? Porque o Estado não dispõe de equipamentos/estruturas/infra-estruturas/ o que lhe quiserem chamar. De que tenhamos conseguido saber (e houve muitos contactos com autarquias), não existem Instituições Públicas. Não existem lares públicos para estas situações. O Estado não pegava em nenhum destes casos, por mais que se pedisse ajuda. No caso da minha madrinha, ela nem tem família. Tem amigos a quem trata por "irmãos", "sobrinhos", "primos", etc., mas tudo por afinidade.

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Sabem o que uma assistente social, bem intencionada, nos revelou? Que para o Estado pegar no caso da minha madrinha, ela teria de ser abandonada num hospital. De ir a uma consulta ou urgência e não aparecer ninguém para a ir buscar. Deste modo, ao fim de algum tempo, o Estado, na figura do Ministério Público (se não me falha a memória), acabaria por pegar no caso e institucionalizar a senhora. Sim, leram bem. Tinha de ser ABANDONADA!
Nem por um segundo nos sentimos tentadas a fazer tal coisa, mas para mim ficou explicada a velha história de velhotes abandonados em hospitais. Deixei de partir do princípio que seriam alvo da maldade pura dos familiares, agora penso sempre que, se calhar, foi falta de alternativa. Nem toda a gente tem dinheiro para sustentar ou cuidar conveniente e condignamente de um idoso que já perdeu a mobilidade, faculdades mentais, controlo de certas funções corporais, e por aí fora. E quem diz idoso, diz doente. Nem toda a gente, pode deixar de trabalhar para proporcionar acompanhamento permanente e, muito menos, tem dinheiro para contratar alguém para o fazer (especializado ou não). E, nem toda a gente, tem arcaboiço mental e físico para o fazer. Porque não é fácil, carregar "peso morto" para a casa casa de banho, mudar fraldas com fezes, arcar com os humores de um idoso ou acamado revoltado com a vida, etc.
Não é fácil e o Estado não dispõe de oferta de lares para estas pessoas. E, quando se procura ajuda, só se encontram muros, becos sem saída. Vai havendo qualquer coisinha, como ajuda financeira para a compra de fraldas ou outros equipamentos; mas e o acompanhamento permanente de que estas pessoas tanto precisam? No Estado, nada!

Só há oferta privada. Tal como nos berçários, creches e até aos 3 anos. E mesmo essa dos 3 anos não é em todo o lado... Não é incomum os pais ouvirem "não abriu turma porque não havia número" ou qualquer outra desculpa do estilo.
Quer para doentes e idosos, quer para bebés, a coisa mais parecida com oferta pública são aqueles híbridos conhecidos como "IPSS - Instituição Particular de Solidariedade Social" ou "SCM - Santa Casa de Misericórdia". São iniciativas privadas, na maioria dos casos associadas a qualquer movimento religioso, e financiadas por dinheiros públicos (estado) e privado (dos utentes, que têm sempre que pagar qualquer coisinha). E aquilo que os utentes pagam é calculado com base nos rendimentos do agregado familiar e, a sério, chegamos aos mil euros de rendimento e somos ricos.

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Por aqui fiz as contas, só havendo uma pessoa com rendimento mensal para um agregado de três elementos, como não temos renda nem empréstimos bancários, já somos considerados ricos e ficaríamos no escalão mais caro. E, a sério, o rendimento não só não é nada de extraordinário e, ainda por cima, é variável: tem uma componente fixa que nem chega aos 1000 e o resto é bónus. Mas somos ricos. Assim, deixei de ficar à espera da resposta das quinhentas mil IPSS em que inscrevi a Carmita e fui procurar directamente no privado, inscrevendo-a na hora. E boa escolha que fizemos, ela adoooooooora a sua creche.
Cheguei a um ponto em que não sabia o que fazer à minha vida. Já não aguentava mais estar em casa a cuidar da minha filha. Por mais que a ame mais do que tudo neste mundo, não só estava a ser difícil para ambas, como eu já não tinha capacidades e conhecimentos para lhe providenciar o estímulo adequado à idade. Só que as IPSS estavam todas cheias. Nenhuma da nossa zona tinha vaga, nenhuma! As privadas tinham todas, claro. Eu também não sabia que iríamos ter de sair da João XXI, de qualquer forma também não havia vagas em Algés. A questão é que, com o salário de um, como é que podíamos pagar uma privada? Acabou por dar. Acabámos por conseguir. Mas há quem não possa. E isto faz-me uma confusão dos diabos.

A sério... Não faz qualquer sentido na minha cabeça que não haja oferta pública e que o estado ande a subsidiar iniciativa privada.
Pelo que percebo, e corrijam-me se estiver enganada, cada utente (seja num lar, seja num berçário/creche/JI) representa um valor de X. Os utentes que forem subsidiados pagam apenas parte à instituição, no entanto, será a Segurança Social a pagar o remanescente, correcto?
Não seria mais fácil e barato o Estado criar as suas próprias infra-estruturas? Contratar pessoal? Tratar dos seus cidadão mais frágeis que são os bebés, os doentes e os velhos? Não deveria ser obrigação do Estado cuidar de todos?
Sim, haver oferta privada é bom. Nada contra, dá para ter mais mordomias e mais "extra", para quem quiser e puder. E, mesmo nada contra o trabalho absolutamente meritório que é feito pelas inúmeras IPSS e Misericórdias que fazem aquilo que deveria ser o Estado a fazer. Mas, para quem não quer ou pode, o Estado devia ter oferta. Tal como tem oferta de hospitais e de escolas. E de universidades!

Apostar no início e no fim da vida dos seus cidadãos. Dos que vão contribuir e dos que contribuíram.
Parece-me o mínimo e gostava mesmo muito de saber porque é que não existe esta oferta pública.

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