quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Amamentar: Sonho ou Pesadelo? - Parte 2/3



Os bebés nascem com o reflexo de sucção, ou seja, nascem a saber mamar. O que podem não saber, e muitos não sabem, é a pegar bem na mama (e, consequentemente, a não magoar a mãe). Isto é uma terrível surpresa com que muitas mães se deparam. A terrível surpresa com que eu me deparei.
Enquanto estive na maternidade, não sei se por ainda me doer mais os pontos ou por ela não ter grande força, nem tive dores. Não tinha dores, mas ela fazia-me chupões, vergões ou lá o que ela fazia às minhas mama, que até ficavam em crosta.
"Não lhe dói?", perguntava espantada a enfermeira. "Não", respondia eu, sem perceber muito bem a pergunta e ainda sem saber da minha elevadíssima tolerância à dor.
Aconselharam-me mamilos de silicone que eu, muito toscamente, usava sempre que dava mama. Mamilos esses que, mais tarde, deitei fora porque não serviam para nada. Doía-me na mesma e, dor por dor, mais valia que a minha filha não mamasse em plástico.

Pouco depois de sair da maternidade é que a coisa começou a doer. Muito! E não era só durante a mamada. Era sempre! Durante uns 3 meses, não tive um momento sem dor, maior ou menor.
Ela pegava mal, por mais que eu fizesse exercícios próprios com ela ou que lhe ajustasse os lábios enquanto mamava. Pegava mal e, muitas vezes era de me fazer ir às lágrimas. De me fazer gritar, dar murros na cama, apertar a mão do Duarte com todas as minhas forças.
Sempre que se começava a aproximar a hora de mamar eu começava a ficar em pânico, a suar, a tremer por antecipação. Eu chorava, a Carminho chorava.
Era suposto a amamentação ser um momento bonito, sempre me venderam essa imagem. Sentia-me enganada, sentia-me desiludida.
Tinha medo de dar mama. O tempo entre mamadas parecia passar em milésimos de segundos e eu ficava apavorada de cada vez que tinha de dar mama. Só de pensar nisso tremia. Odiava dar mama. Entrava em tal estado de tensão, que a passava para a minha bebé. Ela mamava, mas pegava mal e, quando eu gritava, ela chorava porque se assustava. Eu não queria dar mama, eu não queria ter a minha bebé a mamar. Eu não estava a conseguir estabelecer o vínculo afectivo. 
Eu sabia que aquele amor mãe-bebé que tanto apregoam nem sempre vem com o parto, mas ele não estava mesmo a acontecer. A amamentação estava a impedir que eu me ligasse emocionalmente à minha bebé.

Os mamilos estavam a ficar cada vez mais doridos, porque não tinham tempo de recuperar entre mamadas. Dava as duas mamas em intervalos de 2h30 ou 3h00.
Ela fazia-me feridas nos mamilos, que iam formando umas crostas acastanhadas e que depois caíam no banho. Uma coisa estranhíssima.
Sempre que ultrapassava um problema, surgia outro. Sempre que eu pensava "agora é que isto vai melhorar"
Fui acompanhada de perto, e bem, por especialistas em amamentação, mas há coisas que dependem do bebé e a Carminho estava decidida em não pegar bem.
Às vezes não me doía e, ao verem a pega, as especialistas perguntavam "não te dói?", mas a certa altura eu já não sabia responder. Não sabia se já me tinha habituado à dor, sabia que ela estava a pegar mal e que era suposto doer, mas eu não sentia dor.



A recuperação pós-parto foi lenta e dolorosa. Eu não me conseguia mexer por causa das dores e o único momento em que conseguia fazer de mãe era marcado por pura tensão, ansiedade, stress... tudo. Não queria que chegasse o único momento em que eu podia ser mãe, odiava-o.
Demorou quase um mês até conseguir andar e sentar-me sem grandes dores (as dores ainda continuaram mais umas semanas, mas era suportáveis). Durante esse tempo, por causa de um misto de dor e de inexperiência, eu só conseguia dar mama deitada de lado. Recostar-me doía e sentar-me era impossível. O único sítio onde me conseguia sentar sem dores era num cadeirão do trabalho da minha tia.
Assim que me consegui sentar, e depois de um episódio nas urgências por causa de um ponto infectado, decidi que tinha de treinar em casa a dar mama em todas as posições: deitada, recostada, sentada, em pé. Não voltaria a estar numa situação em que não me pudesse deitar e não conseguisse amamentar.

Houve uma vez em que ela afastou a boca e escorria sangue. Não doía, mas era muito estranho.
Noutra situação, só ao fim de 40 minutos de dar mama é que reparei que o mamilo de silicone se tinha desviado e que ela tinha acabado de arrancar um bocado de carne da auréola com a sucção. Esse bocado de carne ficou pendurado e no espaço de 24h ficou preto e acabou por cair. Também não senti dor e quando falei com as especialistas elas disseram nunca ter visto nada assim. Acabei a dar autorização para que a fotografia da minha mama fosse usada em cursos sobre amamentação.
Descobri algo que eu nunca tinha pensado ser possível: bolhas nos mamilos. Há bolhas de leite e há bolhas de sangue. Eu tive das duas. É o mesmo princípio das bolhas nos pés. Algo ali a roçar na pele (neste caso a má pega) e que depois provoca bolha. Normalmente são na parte exterior dos ductos mamários e é por isso que ficam com leite ou com sangue. A enfermeira picou-me umas com uma agulha (não dói nada), só para eu aprender no caso de ser necessário, mas normalmente os bebés tratam delas enquanto mamam.
Sofria (e ainda sofro) do fenómeno de Raynaud - os mamilos ficam brancos e provoca dor mesmo quando não se está a amamentar, principalmente quando expostos aos frio. Eu sabia que sofria de Raynaud nas mãos e nos pés quando está frio. Aparentemente, é extensível aos mamilos.
Tomar banho era uma "maravilha", o primeiro toque da água a escorrer pelos mamilos fazia-me contrair de dor, agora imaginem quando fazia banhos quentes por causa da subida do leite. Lá ia eu, de madrugada, chorar para o banho. Menos mal quando optávamos por, em vez do banho, colocar panos de água quente nas mamas antes de amamentar.
Roupa a roçar nos mamilos então era um horror. Optei por usar as conchinhas, o que era uma chatice porque passava a noite a entornar as conchinhas e a acordar encharcada. Mas dizem ser o mais seguro em termos de problemas nas mamas - para evitar fungos e essas coisas devido ao mamilo ficar húmido durante muito tempo.



Numa manhã, olhei-me ao espelho depois do banho e reparei que metade da mama direita estava demasiado vermelha. Apalpei-me, senti uma parte dura à volta do mamilo, mas não doía. Pensei que a vermelhidão pudesse ser do banho e desvalorizei. Falei com a minha tia por telefone: a Carminho tinha de esvaziar a mama, antes que a parte dura ficasse pior. Como não me doía, não pensei muito nisso.
Dois dias depois, a Carminho não estava a ser bem sucedida a esvaziar completamente a mama. Continuava a sentir a parte dura, a vermelhidão continuava e agora tinha dois altos junto ao mamilo, voltou a sair bastante sangue enquanto ela mamava, a pega estava a ficar cada vez mais insuportável e o leite era salgado (sim, provei o meu próprio leite - várias vezes).
Comecei a ver o filme todo na minha cabeça e em novas conversas começámos a perceber que poderia ser uma mastite. O estranho era não ter dores, nem febre, que são dos sintomas mais comuns da mastite. Arranjaram-me uma consulta com uma médica especialista para o dia seguinte, mas entretanto deveria ir às urgências da Maternidade Alfredo da Costa.

Triagem da MAC.
"Acho que estou com uma mastite", a enfermeira olha para mim e pergunta "Tem dores?", "Nem por isso.", "Tem febre?", "Não, mas eu nunca tenho febre.", "Ok. É só aguardar pela consulta.". Nem olhou para a minha mama, o que eu estranhei.
Sou chamada para a consulta. "Ora, então diz aqui que está com muito leite. É isso?", "Errrr... não, é mastite mesmo!". Então eu digo à enfermeira que tenho acho que tenho uma mastite e ela escreve "muito leite"? A médica observa-me e confirma o nosso diagnóstico. Prescreve-me anti-inflamatório e antibiótico, dali a 2 dias tinha de voltar às urgências.

No dia seguinte tive a consulta com a médica especialista em lactação, a Dr. Mónica Pina. Não só tinha uma mastite, como já tinha feito abscesso. "Vá já para as urgências. Não espere por amanhã, porque isso pode dar graves complicações". Tinha de ser drenado com urgência e explicou-me diversos procedimentos de como retirar o abscesso, para que eu pudesse optar pelo menos invasivo possível.

2 comentários:

  1. Gostei muito do seu testemunho. Estou um pouco sem saber se choro consigo ou se sorriu em sinal de compreensão. Sou mãe do Tomás agora com 10meses e estou a conseguir continuar amamentar. Não foi fácil chegar aqui, tive mamilos invertidos usei os famosos mamilos artificiais, mas Tomás sofreu muito de cólicas consequentemente só acalmava no colo e a mamar o que dava mais cólicas, tinha e ainda tenho muito cuidado com o que como, mas não ajuda muito. Mesmo com mamilos artificiais tive mamilos gretados mamava muitas vezes as vezes de 30min em 30min, mamava tanto que bolsava e os meus pontos não ajudavam na mobilidade e sim mordia os lábios e beliscava me para que sentisse dor noutro sítio e não ali. E quando aqueles plásticos se deslocavam é de tanto sugar nascia um 3o mamilo..
    Mastites?! Tantas.. Eu só me perguntava o que é que eu faço mal, porque eu? Eu não queria deixar de dar de mamar, não sou contra quem não deu, sei o que custa e sei que há quem quer e não pode.
    Tive sorte a pega dele foi perfeita desde início. Por volta dos 3 meses deixei de usar os mamilos de plástico feliz e orgulhosa das maminhas e com o mesmo pensamento que você dor pela dor e já que já era possível agarrar o mamilo que fosse directamente em mim. Eu tive sorte de sentir a tal ligação no meio daquela dor, das mamas inchadas,do sangue ver aquela carinha a escorrer leite no canto de boca adormecida com meio sorriso e eu com o lábio vermelho de tanto trincar..Não foi fácil e ainda não é,os dentes.. e o medo de não ter o mamilo para contar a história..sim eles mordem, eles trincam sem querer, mas também com vontade de experimentar. Não sei quando vou deixar de amamentar, mas tenho certeza que 2 anos é demais. Até lá um dia de cada vez.
    Concordo muito consigo cada um sabe o que é melhor para si e para o seu bebê, confiem no seu instinto e não liguem à críticas, pessoas falam porque não sabem estar caladas!

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    1. Obrigada, Sofia <3
      Sorria, porque já passou o pior para ambas :)
      Ai, aqueles sorrisos que fazem quando adormecem na mama... são deliciosos! Impagáveis. Quando adormecem na mama. Ou os suspiros e barulhinhos que fazem quando estão a mamar, cheios de satisfação e deleite.
      Ou, na primeira mamada da manhã que ainda meio a dormir e no fim, já despertos, nos brindam com um grande sorriso!
      Há momentos tão bons e que acabam por dar a certeza que valeu a pena aguentarmos "só mais um dia".
      Vamos sorrir :)

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