quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Mudámos de casa e nunca mais vendo nada pela internet


Já disse ao Duarte que nunca mais me mudo! Daqui não saio e daqui ninguém me tira.
Que trabalheira, que seca!, tratar destas tretas: cancelar contratos num lado, fazer novos noutro, mudar as informações no cartão do cidadão... E ainda não fomos mudar a morada na carta de condução.
Nunca mais! Nem mudar de morada, nem divorciar. Desculpa, meu amor, mas tenho mais do que fazer do que perder tempo de vida com estas coisas aborrecidas de adulto.

Por falar em coisas aborrecidas de adulto, estou à espera que me atendam da Vodafone. Fiz um novo contrato há 1 mês e ainda estou à espera que me venham instalar a nova box. Esqueceram-se de mim. Só pode, porque a minha mãe aderiu há uma semana e hoje foram lá instalar-lhe o aparelho novo.
De manhã fiquei 10min à espera, até desistir, e agora já vai em 08:10... 08:11... 08:12... Está em alta voz enquanto escrevo.

Bem, vou fazer como na televisão e puxar para trás para vos contar a história, pautando-me pelo tempo de espera da linha de apoio ao cliente da Vodafone.


Edição: António Passaporte (c. 1953) , in Arquivo Fotográfico da C.M.L.

11:52 (só hoje a operadora já me deixou mais de 20 minutos à espera).
Em 2014, mudámo-nos de Miraflores para Lisboa. Para a minha querida Av. João XXI. Desde pré-adolescente que frequentava a zona e sempre a adorei. Fascinava-me a arquitectura, os espaços, a vida. E, nessa altura, sempre que passava no cruzamento da Av. João XXI com a Av. de Roma, observava os quatro prédios de esquina e pensava "como gostava de morar aqui", ficando a espreitar as pessoas que entravam e saíam, para saber como eram, quem eram. Era aquilo a que eu chamo de "sonho realista", algo que queremos e que está, relativamente, ao nosso alcance. E, em Fevereiro de 2014, eu era uma das pessoas que entrava e saía de um desses quatro prédios.

18:34
Adorei morar ali. Fomos muito felizes ali.
Foi no nº 21 da João XXI que morava quando casei e era aí que morava quando nasceu a Carminho. 
Tratei daquela casa como se fosse minha. Com todos os defeitos e mais alguns, adorei aquela casa. Era a minha casa, era o meu lar. Teria vivido lá até ao fim dos meus dias, mas, com a especulação imobiliária, chegou o dia em que recebemos um telefonema do procurador da senhoria.
Para quem não sabe, um procurador é uma pessoa que se nomeia para nos representar em questões legais/negociais. Nunca gostei de lidar com ele, desde o primeiro momento. Imaginem que, para além de uma reunião, tivemos de redigir uma carta de apresentação para nos candidatarmos a arrendar a casa - tal como uma entrevista de emprego.

25:00 Atenderam!
32:00 Vale a pena reclamar. Mais uma mensalidade gratuita e não paguei o custo da chamada (também era o menos). Adiante!


Cruzamento da Av. de Roma com a Av. João XXI, Lisboa, 1974.
Artur Pastor, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.

Sobre o tal procurador, nunca fomos os melhores amigos e, por isso mesmo, era o Duarte que lidava com ele. Ele gostava tanto de lidar comigo como eu de lidar com ele, mas são assim as relações humanas, não gostamos de toda a gente nem toda a gente gosta de nós. Apenas desejo a maior paciência para quem arrendar a casa a seguir a nós e que a senhoria tenha uns novos inquilinos que estimem a casa tanto quanto nós a estimámos ou mais! Fomos mesmo muito felizes naquela casa.

Ora, certo dia o Duarte recebe um telefonema do procurador a dizer que nos queria aumentar a renda "para os actuais valores de mercado", para fazermos uma proposta até ao dia seguinte de novo valor de renda ou "teria" de nos enviar uma carta de não renovação do contrato. Obviamente que recusámos e obviamente que recebemos a carta de não renovação. "sem prejuízo de podermos negociar posteriormente", dizia ele. Pois, não. Já pagávamos 800€ de renda, o que não é pouco para os ordenados que são praticados neste país, e os "actuais valores de mercado" significariam pagar o dobro ou quase. Estava fora de questão pagar um valor de renda tão pornográfico, mesmo que tivéssemos essa possibilidade.

No entanto, ao contrário de muitas famílias, nós estávamos numa zona confortável para negociar ou de não ceder ao ultimato, que foi o caso. "Ou pagam ou saem" - eu não gosto de ultimatos, saio. Mas nós tínhamos para onde ir. Quando recebemos esse telefonema, que já o esperávamos, sabíamos que não tínhamos de ceder a nenhuma pressão, a nenhuma chantagem, não tínhamos medo de ficar na rua. Tínhamos casa própria para onde ir. Uma casa menor, certo. Uma casa numa zona não tão boa, certo. Uma casa que não era a dos meus "sonhos realistas", certo. Mas uma casa completamente nossa. Onde não há renda nem prestação ao banco. Onde não temos de ter medo das cartas na caixa do correio. Onde a nossa estadia não depende do humor de outros. Onde fizemos obras de remodelação total há dois anos. Uma casa onde não temos de questionar ninguém se quisermos alterar o que quer que seja. Que em caso de avaria/estrago tratamos nós do assunto e pronto. Uma casa onde pagamos cerca de 600€ anuais, em vez de 800€ mensais (agora a arrendar por mais de 1300€). Uma casa onde olho pela janela e vejo Monsanto. Vejo a ponte sobre o Tejo. Vejo o Cristo Rei. Vejo uma nesga de rio.
Sempre soubemos que, chegado o dia, não haveria muito para pensar: mudávamo-nos e pronto. E isso, o procurador não sabia. Foi apanhado de surpresa pela nossa recusa, pelo "então envie a carta. Faça o que tem a fazer". Foi apanhado de surpresa quando não quisemos enviar uma proposta para pagarmos mais. Foi apanhado de surpresa quando andou atrás de nós para reunirmos e chegarmos a um valor que satisfizesse todos e nós nunca quisemos reunir, só iríamos perder o tempo de toda a gente. Porque ele tinha iniciado uma viagem que, para nós, só tinha um destino: sair da João XXI e ter paz de espírito.


Avenida de Roma, Lisboa, c. 1951.
Claudino Madeira, in Arquivo Fotográfico da C.M.L. (adaptado).

Adorava mesmo aquela casa.
Era a minha casa de sonho, para a qual em jovem olhei e disse a mim mesma "um dia vou morar aqui!". E morei, fui muito feliz, conheci muitas pessoas, fiz amigos, tinha uma excelente rede de suporte social (não sei se já ouviram falar no grupo das "Mães da Av. de Roma", é um grupo de mães fora de série e do qual vou ter muitas saudades).
Nem consigo escrever isto sem uma lagriminha no canto do olho. Tive ali uma boa vida. Uma vida confortável, uma vida cheia.

No entanto, quando me perguntam "Para si, era melhor aqui ou onde mora agora?", a minha resposta é simples "Agora não tenho renda nem prestação ao banco. A casa é minha, está ao meu gosto, está nova, a zona é pacífica, a Carminho adora a creche".
Só há duas coisas em que a casa nova não se compara sequer à João XXI: no tamanho (agora temos menos 30m2) e na vida que eu fazia (tinha tudo num raio de 500m e a pé).
Mas estamos muito bem, temos bons vizinhos, a casinha é um mimo (sem infiltrações e sem o ruído que a outra tinha), a vista é espectacular, às vezes cheira a maresia e oiço as gaivotas. Estamos bem e somos felizes. E quem sabe? Talvez um dia regresse à minha querida Av. João XXI.

Av. João XXI - Abr.2017

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